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TURISTA OCIDENTAL
Ruas de Nagarekawa escancaram a aversão aos americanos e expõem sequelas de uma bomba atômica
HIROSHIMA MON AMOUR
MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A HIROSHIMA
Uma atitude intriga os novatos
que se aventuram pelo bairro
boêmio de Nagarekawa, em
Hiroshima, no começo da madrugada de ontem. As dezenas de
mulheres e homens que distribuem folhetos anunciando de
clubes com música pop a bares de
prostituição ignoram quem não
aparenta ser japonês.
Arranhando palavras em inglês,
uma garota esclarece: ""American
no". Ao ver a credencial de cobertura jornalística da Copa indicando o Brasil como origem, vem o
acréscimo: "Então, ok".
Outro ""propagandista" repete:
norte-americanos não são bem-vindos. Em trajes civis coloridos,
um soldado se identifica como
Luck, 25, e diz ser do Estado do
Colorado. Ele confirma a barração generalizada. Dois colegas
seus, que não informam nem o
primeiro nome, afirmam ter 20 e
26 anos e vir da Califórnia. Resmungam que não sentem falta de
locais onde não os querem.
Os três aproveitam a folga da
base militar dos EUA em Iwakuni,
40 quilômetros ao sul de
Hiroshima, onde estão estacionados cerca de 5.000 marines.
Há uma segunda surpresa: o
motivo do veto aos americanos,
asseguram leões-de-chácara, não
é o indisfarçável ressentimento
pela primeira bomba atômica lançada contra alvos humanos.
Às 8h15 do dia 6 de agosto de
1945, um bombardeiro B-29 despejou um artefato que explodiu a
580 metros do solo da cidade japonesa. Num raio de dois quilômetros, tudo foi incendiado.
Em cinco anos, contando os que
morreram na hora e das queimaduras e efeitos prolongados da radiação, houve 200 mil vítimas,
mais da metade da população da
época. Ainda no ano passado
houve mortes por câncer cuja origem foi 57 anos atrás.
Hiroshima se transformou em
símbolo do horror nuclear. Três
dias depois de ser atacada, foi a
vez de Nagasaki. O Japão, aliado
de Alemanha e Itália na Segunda
Guerra (1939-1945), se rendeu.
""O problema com os americanos não é esse, antigo, mas o fato
de eles arrumarem encrenca onde
chegam", diz o brasileiro Wagner
Ioshiu, 20, operário numa fábrica
de autopeças, concordando com
os leões-de-chácara.
Rejeitados, os militares de Iwakuni acabam frequentando clubes latinos. No brasileiro Hot Gin,
dezenas dançam pop americano,
forró e axé. Garotas japonesas disputam soldados na noite. Há um
evidente esforço de mimetizar o
comportamento e os modismos
dos EUA, país em relação ao qual
o sentimento aqui varia do amor
ao ódio.
Apesar da ocidentalização do
Japão, em especial dos jovens, o
abismo cultural com a Europa e
os EUA é considerável. Certas diferenças foram abordadas em
1959 pelo cineasta francês Alain
Resnais no clássico ""Hiroshima,
mon amour" (""Hiroshima, meu
amor"). O filme narra o caso
amoroso entre uma atriz francesa
e um arquiteto japonês passado
na cidade da bomba.
Além de mostrar contrastes de
cultura, a película tem contundente conteúdo antinuclear.
Na manhã de domingo, a impressão da madrugada é reforçada no Parque Memorial da Paz, na
região próxima ao centro da explosão: Hiroshima (882 km a sudoeste de Tóquio) expõe suas
chagas, não quer esquecê-las,
contudo está longe de viver de luto e a chorar o passado.
Músicos cantam rock em inglês
e japonês para ganhar uns trocados. Colegiais usam minissaias
curtíssimas até para padrões brasileiros -são compridas, mas ao
sair de casa e da escola (às vezes
no domingo) elas colam as barras.
Num extremo do parque fica
um prédio com uma cúpula onde
funcionava um escritório da Prefeitura de Hiroshima. A bomba
explodiu a uma distância horizontal de 160 metros. As ruínas
permanecem como em 1945.
Voluntários passam um abaixo-assinado pró-eliminação dos arsenais nucleares e exibem cópias
de jornais velhos com imagens de
pessoas sem pele. ""É para a juventude se lembrar", diz o tradutor
Zengeo Inuzuka, 49. ""O perigo é a
forte influência dos EUA."
Conversando em espanhol com
turistas panamenhos, Inuzuka alterna relatos históricos com comentários sobre a Copa. O restaurante Poco a Poco, a 15 metros,
passa um estranho compacto do
jogo Coréia x Espanha, sem replay dos lances em que o árbitro
prejudicou a "Fúria".
No Museu da Paz, o silêncio sepulcral só é quebrado pela tristíssima trilha sonora de um vídeo e
por soluços de visitantes emocionados. É um lugar deprimente,
talvez como os campos de concentração do holocausto preservados como encontrados.
A exposição tem relógios de
mortos com a hora -8h15- em
que pararam. Lembra que milhares de vítimas eram coreanos que
cumpriam trabalhos forçados em
fábricas japonesas.
Entre as fotos mais impressionantes estão as das sombras formadas no chão por pessoas que se
desintegraram. De queimados e
deformados. De cadáveres feito
múmias. De crianças que perderam o cabelo devido à radiação.
Do lado de fora, há um monumento em homenagem à menina
Sadako Sassaki.
Ela tinha dois anos em 1945. Começou a sofrer os efeitos da radiação aos 12. Com leucemia, ouviu
que fazer mil dobraduras de papel
(origamis) de um pássaro (Tsuru)
poderia lhe dar vida longa. Ela fez
centenas, mas morreu antes dos
mil. Colegas de escola terminaram a tarefa. Sadako foi cremada
com seus pássaros.
Até hoje, estudantes de todo o
Japão enviam milhões de origamis por ano para o Parque da Paz.
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