São Paulo, segunda-feira, 24 de junho de 2002

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O pior momento para ser inglês

ALEX BELLOS

Na sexta-feira, fiz minha primeira aparição ao vivo na TV brasileira. Foi, eu saberia mais tarde, o programa matutino com maior audiência na história do país.
Não tive nada a ver com isso. Mas eu tinha o melhor penteado.
A Globo me convidou para tomar parte no grupo de especialistas que faria comentários antes, durante e depois de Inglaterra x Brasil. De início, fiquei surpreso. Se há cerca de 170 milhões de técnicos de futebol aqui, para que eles vão precisar de mais um?
Pouco antes do programa, fui cortar os cabelos. Como o Brasil é o país do Carnaval, pensei que, no mínimo, devia aparecer na Globo fantasiado. Pedi ao meu barbeiro um "Beckham". Ele entendeu imediatamente.
Usar o corte moicano foi minha tática para evitar conversar sobre futebol. Sei muito pouco sobre futebol. Ok. Acabo de escrever o livro "Futebol: The Brazilian Way of Life", mas ele discute como a modalidade influencia a cultura, e não se três zagueiros são melhores que dois.
Os brasileiros analisam o futebol de modo tão detalhado que até meu vocabulário é inadequado. Por exemplo, na Inglaterra, a tradução para ""armador" e ""volante" é a mesma palavra.
Sentei-me ao lado de Zagallo. O Brasil é uma terra de tremendos contrastes. Lá estava eu, o debatedor menos credenciado de todos os tempos, ao lado do mais honorável futebolista da história.
A nosso lado, Clodoaldo e Dadá Maravilha, membros da seleção brasileira de 1970. O bate-papo começou com reminiscências. Não pude participar. Em junho de 1970, tinha seis meses de vida.
Então, foi minha vez.
Fiz uma piada sobre meu cabelo e disse que não se pode subestimar o temor pela seleção brasileira no Velho Mundo.
Acredito que os brasileiros esquecem o poder de sua reputação. Jogar contra o Brasil, especialmente numa Copa, é o desafio máximo para qualquer nação. O romantismo e a magia que envolvem a seleção são mais fortes no exterior que em casa.
Durante a primeira fase da Copa, eu estava em Londres. Os comentários dos ingleses nos jogos do Brasil eram mais sentimentalóides do que uma novela mexicana. Se Ronaldo perdia um lance, diziam: "O melhor do mundo tem o direito de falhar". Se Rivaldo errava um passe, o comentarista completava: "Formidável passe interceptado acidentalmente por um costarriquenho".
De forma similar, se um inglês errasse o passe, o comentário era exageradamente crítico, de que tal jogador não merecia estar no time. Parece que todos somos mais duros com nós mesmos.
Quando a partida começou, Zagallo, Dadá, Clodoaldo e eu nos dirigimos a uma confortável sala onde nos sentamos juntos e assistimos ao primeiro tempo.
Era fascinante ouvir os comentários dos antigos jogadores. Minha única contribuição foi explicar como se pronuncia corretamente Paul Scholes.
Havia comida à nossa disposição, mas, depois do gol de Owen, a fome acabou -e os pedaços de queijo enrolado permaneceram embrulhados em filme plástico. Não era um dos melhores momentos para ser inglês.
Cinco minutos antes do intervalo, um produtor nos chamou para retornar ao estúdio. Quando chegamos, Rivaldo marcou. Abraços e apertos de mão por toda parte. Dadá brincou: "Sorte sua, inglês. Sorte sua".
Assistimos ao segundo tempo no estúdio. Nervos e preguiça explicavam por que ninguém queria voltar ao "lounge". E superstição. A Inglaterra havia marcado quando estávamos lá. Se voltássemos para lá, talvez pudesse marcar de novo.
Estávamos certos. O audacioso gol de Ronaldinho veio quase imediatamente. Os aplausos e os abraços no estúdio foram ainda mais entusiasmados do que antes. Minutos depois, Ronaldinho foi expulso. Veio o medo. Pude ouvir os dedos de Zagallo batucando nervosamente a mesa vermelha diante de nós.
Quando o apito foi soprado, os operadores de câmara se voltaram para mim, tentando captar uma reação. Não era um dos melhores momentos para ser inglês.
Ou talvez fosse.
"Olhe para o inglês", berrou Dadá, apontando para mim. "É pé-quente! Trouxe sorte!"
Na conversa pós-jogo, pediram-me que fizesse um comentário.
"Não tem jeito", respondi. "Vou ter que cortar o cabelo."


Alex Bellos é correspondente do jornal britânico ""The Guardian" no Brasil e autor do livro ""Futebol: The Brazilian Way of Life"


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