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O pior momento para ser inglês
ALEX BELLOS
Na sexta-feira, fiz minha
primeira aparição ao vivo na TV brasileira. Foi,
eu saberia mais tarde, o programa matutino com maior audiência na história do país.
Não tive nada a ver com isso.
Mas eu tinha o melhor penteado.
A Globo me convidou para tomar parte no grupo de especialistas que faria comentários antes,
durante e depois de Inglaterra x
Brasil. De início, fiquei surpreso.
Se há cerca de 170 milhões de técnicos de futebol aqui, para que
eles vão precisar de mais um?
Pouco antes do programa, fui
cortar os cabelos. Como o Brasil é
o país do Carnaval, pensei que,
no mínimo, devia aparecer na
Globo fantasiado. Pedi ao meu
barbeiro um "Beckham". Ele entendeu imediatamente.
Usar o corte moicano foi minha
tática para evitar conversar sobre
futebol. Sei muito pouco sobre futebol. Ok. Acabo de escrever o livro "Futebol: The Brazilian Way
of Life", mas ele discute como a
modalidade influencia a cultura,
e não se três zagueiros são melhores que dois.
Os brasileiros analisam o futebol de modo tão detalhado que
até meu vocabulário é inadequado. Por exemplo, na Inglaterra, a
tradução para ""armador" e ""volante" é a mesma palavra.
Sentei-me ao lado de Zagallo. O
Brasil é uma terra de tremendos
contrastes. Lá estava eu, o debatedor menos credenciado de todos os tempos, ao lado do mais
honorável futebolista da história.
A nosso lado, Clodoaldo e Dadá
Maravilha, membros da seleção
brasileira de 1970. O bate-papo
começou com reminiscências.
Não pude participar. Em junho
de 1970, tinha seis meses de vida.
Então, foi minha vez.
Fiz uma piada sobre meu cabelo e disse que não se pode subestimar o temor pela seleção brasileira no Velho Mundo.
Acredito que os brasileiros esquecem o poder de sua reputação. Jogar contra o Brasil, especialmente numa Copa, é o desafio máximo para qualquer nação. O romantismo e a magia que
envolvem a seleção são mais fortes no exterior que em casa.
Durante a primeira fase da Copa, eu estava em Londres. Os comentários dos ingleses nos jogos
do Brasil eram mais sentimentalóides do que uma novela mexicana. Se Ronaldo perdia um lance, diziam: "O melhor do mundo
tem o direito de falhar". Se Rivaldo errava um passe, o comentarista completava: "Formidável
passe interceptado acidentalmente por um costarriquenho".
De forma similar, se um inglês
errasse o passe, o comentário era
exageradamente crítico, de que
tal jogador não merecia estar no
time. Parece que todos somos
mais duros com nós mesmos.
Quando a partida começou,
Zagallo, Dadá, Clodoaldo e eu
nos dirigimos a uma confortável
sala onde nos sentamos juntos e
assistimos ao primeiro tempo.
Era fascinante ouvir os comentários dos antigos jogadores. Minha única contribuição foi explicar como se pronuncia corretamente Paul Scholes.
Havia comida à nossa disposição, mas, depois do gol de Owen,
a fome acabou -e os pedaços de
queijo enrolado permaneceram
embrulhados em filme plástico.
Não era um dos melhores momentos para ser inglês.
Cinco minutos antes do intervalo, um produtor nos chamou
para retornar ao estúdio. Quando chegamos, Rivaldo marcou.
Abraços e apertos de mão por toda parte. Dadá brincou: "Sorte
sua, inglês. Sorte sua".
Assistimos ao segundo tempo
no estúdio. Nervos e preguiça explicavam por que ninguém queria voltar ao "lounge". E superstição. A Inglaterra havia marcado
quando estávamos lá. Se voltássemos para lá, talvez pudesse
marcar de novo.
Estávamos certos. O audacioso
gol de Ronaldinho veio quase
imediatamente. Os aplausos e os
abraços no estúdio foram ainda
mais entusiasmados do que antes. Minutos depois, Ronaldinho
foi expulso. Veio o medo. Pude
ouvir os dedos de Zagallo batucando nervosamente a mesa vermelha diante de nós.
Quando o apito foi soprado, os
operadores de câmara se voltaram para mim, tentando captar
uma reação. Não era um dos melhores momentos para ser inglês.
Ou talvez fosse.
"Olhe para o inglês", berrou
Dadá, apontando para mim. "É
pé-quente! Trouxe sorte!"
Na conversa pós-jogo, pediram-me que fizesse um comentário.
"Não tem jeito", respondi. "Vou
ter que cortar o cabelo."
Alex Bellos é correspondente do jornal britânico ""The Guardian" no Brasil e
autor do livro ""Futebol: The Brazilian Way of Life"
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