São Paulo, sexta-feira, 24 de julho de 2009

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XICO SÁ

Chupa, velho Édipo!


O berro pode ser usado de várias formas e já ouvi um endereçado ao pai enfeitado com todas as exclamações


AMIGO TORCEDOR , amigo secador, uma das expressões mais sacanas e ao mesmo tempo desopilantes do futebol é o "chupa!".
Para variar, carregadíssima de um certo homossexualismo enrustido ou inconsciente, óbvio, como quase toda a linguagem ludopédica.
É de uma deselegância sem fim, violenta mesmo, principalmente quando berrada a todos pulmões para o vizinho da janela de baixo, por volta da meia-noite, como ouvimos cada vez mais em São Paulo. Ah, os homens, eternos bobos selvagens, sussurram as moças a essa altura.
Não faço ideia da data de criação e muito menos de onde surgiu o retumbante "chupa!". O escritor João Silverio Trevisan, no entanto, autor do genial "Seis Balas Num Buraco Só" (Ed. Record) decifraria com facilidade o suposto grito macho.
Pode ser usado de várias formas.
Tem o genérico "chupa, são-paulino!", por exemplo, quando a ofensa se destina à entidade; o "chupa, Luxemburgo!", quando é o técnico que desperta a fúria; o famoso "chupa, fulano de tal!", normalmente dedicado ao torcedor mais próximo, etc.
Outro dia, em uma casa dividida entre palmeirenses e corintianos ouvi um impensável "chupa, pai!" enfeitado com todas as exclamações. Coisa de tragédia grega.
Inconcebível, pela falta de delicadeza, é o "chupa, fulaninha!", o berro medieval para uma amiga ou para a namorada fã de outro time. Ah, esses moços que tratam as gazelas como se fossem os manos da esquina...
A fêmea se acha a bala que matou Kennedy, mas sem revanche nessa hora, vamos dar bons tratos à bola, pegar no colo, deitar no solo pátrio e fazê-las musas, as admiráveis e eternas crias das nossas costelas.
E o chupa é nacionalíssimo, com a sua variante forrozeira "chupa que é de uva!", como canta o garoto do placar do Romeirão, em Juazeiro do Norte, a cada gol do líder Icasa na Terceirona. Lá estive anteontem, no estádio dos meus primeiros passos ludopédicos, para testemunhar o triunfo do Verdão do Cariri contra o Visitante, como o garoto rodeado de números trata os rivais. O da ocasião era o CRB, o bravo Galo da Pajuçara.
O garoto do placar, como o velho pontinha ciscador que driblava até a sombra, é um ofício em extinção.
Como é bonito, para um homem tomado pela nostalgia até os ossos -doença infantil dos tiozinhos-, vê-lo deixando o estádio com a penca de algarismos nas costas. O melhor de tudo é que, após o jogo, dona Maria do Socorro me esperava com ovo estrelado, derretendo maternalmente por cima do bife, feijão e arroz. Chupa, velho Édipo!

Um "chupa" histórico
O blog Impedimento publica a série "Confesso que sequei". Só clássicos. Repare no que anuncia Franciel Cruz, escriba e torcedor do Vitória: "Saio desta minha vida de obsequioso silêncio para entrar nesta história (chupa, Getúlio!) com a seguinte e primeva confissão: por um grave defeito de caráter, sequei o Bahia poucas vezes. Na verdade, na verdade (alocução muito usada por Cristo e por advogados quando vão começar a mentir), minha falha ética não é tão severa assim. Apenas disse isso para tentar oferecer uma dramaticidade canalhamente nelsonrodrigueana nesta nova série do inolvidável Impedimento".


xico.folha@uol.com.br


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