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FUTEBOL
Inocentes úteis e culpados inúteis
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
"Felizmente, eu só sei jogar futebol."
Acredite se quiser, mas a frase
foi dita pelo capitão da seleção
brasileira, quando questionado
sobre o uso do amistoso Brasil x
Paraguai para a candidatura de
Ciro Gomes.
Estou falando de Cafu, é claro, o
único futebolista do planeta a disputar três finais de Copas do
Mundo. Um homem que morou
na Espanha e na Itália, viajou pelos cinco continentes e colocou o
Jardim Irene no mapa -mas se
orgulha de só saber jogar futebol.
Não tenho nada contra o Cafu.
Se destaco o episódio é porque a
atitude do capitão reflete o comportamento e a mentalidade da
grande maioria dos jogadores
brasileiros.
Ao pronunciar a frase "Só sei jogar futebol", o que um atleta profissional na verdade está dizendo
é o seguinte: "Podem me manipular à vontade".
Foi o que Cafu, Roberto Carlos e
Kaká fizeram, ou melhor, deixaram que outros fizessem com eles,
ao entregar a Ciro Gomes uma
camisa da seleção com o número
23 (o mesmo do candidato). Poucas vezes o uso político da seleção
brasileira foi tão literal.
Com a derrota para o Paraguai,
talvez o Ciro tenha saído pela culatra, mas não importa. Cada um
é responsável por seus atos.
Ponto para Rivaldo, que, mesmo chantageado, recusou-se a
beijar a mão do sinhozinho e da
sinhazinha.
Julgamentos morais à parte, um
jogador de primeiro nível que diz
com orgulho só saber jogar futebol está fazendo um péssimo uso
de sua imagem.
Afinal, que mal haveria em saber fazer outras coisas, como cantar, cozinhar, votar, andar de bicicleta, assentar tijolos ou escrever livros?
Os jogadores profissionais de
nossa época descobriram que têm
uma imagem, e que essa imagem
é preciosa.
Mas só a avaliam em termos
monetários: a aparição num comercial vale tantos dólares, o nome numa grife de roupa vale outros tantos.
Mas nem tudo se mede em dinheiro. Ainda falta muito para
que esses artistas populares percebam de fato a dimensão não-monetária de sua figura pública, a
sua importância na difusão de
valores culturais, éticos, políticos,
comportamentais etc.
Enquanto isso não acontece,
eles vão difundindo um modo de
vida fundado na busca imediata
do máximo lucro pessoal e no
consumismo mais acrítico (basta
pensar nas bugigangas que compram em suas viagens).
Ocasionalmente esse limitado
projeto de vida entra em choque
com a expectativa dos torcedores.
Nas últimas semanas ou meses,
vários jogadores foram chamados
de mercenários por seus antigos
fãs pelo fato de querer abandonar
seus clubes antes do final dos contratos em vigor: Luizão, Ronaldo,
Ricardinho...
A tentação de generalizar é
grande, mas cada caso é um caso.
Os torcedores do Grêmio e da Inter de Milão têm todos os motivos
para chamar Luizão e Ronaldo,
no mínimo, de ingratos. Os dois
foram acolhidos pelos clubes em
momentos difíceis de suas carreiras, mas, depois, na hora do bem
bom, lhes deram as costas.
A história de Ricardinho é diferente. Ajudou a carregar o piano
alvinegro durante quase cinco
anos, na glória e no fracasso, e
achou que, depois da Copa, era a
hora de ter a valorização merecida. O Corinthians não bancou. O
São Paulo, sim. Sorte do tricolor.
Mudança de forças
Com a ida de Ricardinho para o Morumbi, muda a correlação de forças entre o "trio de ferro" paulista. Oswaldo
de Oliveira tem tudo para fazer do São Paulo um esquadrão. O Palmeiras, com a
chegada de Dodô e a recuperação de Zinho, tem tudo para deslanchar. Carlos Alberto Parreira vai ter de usar toda a
sua capacidade para manter
o desfalcado Corinthians em
condições de competir com
seus principais rivais.
A dona da bola
Mais uma vez a TV Globo
mostra sua face autoritária ao
impedir os telespectadores de
ver, pela Record, as partidas
do meio da semana do Campeonato Brasileiro. Para não
prejudicar a sacrossanta novela das oito, a emissora não
exibe e não deixa ninguém
exibir o futebol. Se isso não é
monopólio e abuso do poder
econômico, juro que não sei
o que é.
E-mail jgcouto@uol.com.br
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