São Paulo, sábado, 24 de agosto de 2002

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FUTEBOL

Inocentes úteis e culpados inúteis

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"Felizmente, eu só sei jogar futebol."
Acredite se quiser, mas a frase foi dita pelo capitão da seleção brasileira, quando questionado sobre o uso do amistoso Brasil x Paraguai para a candidatura de Ciro Gomes.
Estou falando de Cafu, é claro, o único futebolista do planeta a disputar três finais de Copas do Mundo. Um homem que morou na Espanha e na Itália, viajou pelos cinco continentes e colocou o Jardim Irene no mapa -mas se orgulha de só saber jogar futebol.
Não tenho nada contra o Cafu. Se destaco o episódio é porque a atitude do capitão reflete o comportamento e a mentalidade da grande maioria dos jogadores brasileiros.
Ao pronunciar a frase "Só sei jogar futebol", o que um atleta profissional na verdade está dizendo é o seguinte: "Podem me manipular à vontade".
Foi o que Cafu, Roberto Carlos e Kaká fizeram, ou melhor, deixaram que outros fizessem com eles, ao entregar a Ciro Gomes uma camisa da seleção com o número 23 (o mesmo do candidato). Poucas vezes o uso político da seleção brasileira foi tão literal.
Com a derrota para o Paraguai, talvez o Ciro tenha saído pela culatra, mas não importa. Cada um é responsável por seus atos.
Ponto para Rivaldo, que, mesmo chantageado, recusou-se a beijar a mão do sinhozinho e da sinhazinha.
Julgamentos morais à parte, um jogador de primeiro nível que diz com orgulho só saber jogar futebol está fazendo um péssimo uso de sua imagem.
Afinal, que mal haveria em saber fazer outras coisas, como cantar, cozinhar, votar, andar de bicicleta, assentar tijolos ou escrever livros?
Os jogadores profissionais de nossa época descobriram que têm uma imagem, e que essa imagem é preciosa.
Mas só a avaliam em termos monetários: a aparição num comercial vale tantos dólares, o nome numa grife de roupa vale outros tantos.
Mas nem tudo se mede em dinheiro. Ainda falta muito para que esses artistas populares percebam de fato a dimensão não-monetária de sua figura pública, a sua importância na difusão de valores culturais, éticos, políticos, comportamentais etc.
Enquanto isso não acontece, eles vão difundindo um modo de vida fundado na busca imediata do máximo lucro pessoal e no consumismo mais acrítico (basta pensar nas bugigangas que compram em suas viagens).
Ocasionalmente esse limitado projeto de vida entra em choque com a expectativa dos torcedores. Nas últimas semanas ou meses, vários jogadores foram chamados de mercenários por seus antigos fãs pelo fato de querer abandonar seus clubes antes do final dos contratos em vigor: Luizão, Ronaldo, Ricardinho...
A tentação de generalizar é grande, mas cada caso é um caso. Os torcedores do Grêmio e da Inter de Milão têm todos os motivos para chamar Luizão e Ronaldo, no mínimo, de ingratos. Os dois foram acolhidos pelos clubes em momentos difíceis de suas carreiras, mas, depois, na hora do bem bom, lhes deram as costas.
A história de Ricardinho é diferente. Ajudou a carregar o piano alvinegro durante quase cinco anos, na glória e no fracasso, e achou que, depois da Copa, era a hora de ter a valorização merecida. O Corinthians não bancou. O São Paulo, sim. Sorte do tricolor.

Mudança de forças
Com a ida de Ricardinho para o Morumbi, muda a correlação de forças entre o "trio de ferro" paulista. Oswaldo de Oliveira tem tudo para fazer do São Paulo um esquadrão. O Palmeiras, com a chegada de Dodô e a recuperação de Zinho, tem tudo para deslanchar. Carlos Alberto Parreira vai ter de usar toda a sua capacidade para manter o desfalcado Corinthians em condições de competir com seus principais rivais.

A dona da bola
Mais uma vez a TV Globo mostra sua face autoritária ao impedir os telespectadores de ver, pela Record, as partidas do meio da semana do Campeonato Brasileiro. Para não prejudicar a sacrossanta novela das oito, a emissora não exibe e não deixa ninguém exibir o futebol. Se isso não é monopólio e abuso do poder econômico, juro que não sei o que é.

E-mail jgcouto@uol.com.br



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