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FUTEBOL
A era da certeza
JOSÉ ROBERTO TORERO
Os jogadores de futebol protagonizam várias modas verbais. Na
década de setenta, houve o ""a
gente vamos dar tudo de si" e, nos
anos oitenta, só se escutava ""com
determinação e garra nós vamos
conseguir a vitória".
Hoje em dia a regra é o ""Com
certeza...". Pode reparar, caro leitor. Todo jogador começa sua frase com um ""com certeza", não importando o que venha depois.
""E então, vocês vencem hoje?"
""Com certeza. Se nós não perdermos nem empatarmos, vamos
ganhar."
O pior é que essa moda verbal
está se alastrando. Já há técnicos,
como Luxemburgo, dirigentes, como Marcelo Teixeira, e atletas de
outros esportes, como o vôlei de
praia e o atletismo, que sempre
começam suas frases assim.
Acho que esse cacoete verbal serve para dar a impressão de que o
falante tem absoluto domínio sobre o assunto em questão.
É uma forma de atestar segurança, conhecimento e convicção.
Hoje têm-se medo de mostrar dúvidas, hesitação, titubeios. Vivemos, ao contrário do que decretou
o historiador Eric Hobsbawn, a
Era da Certeza.
Mas isso não é exclusivo do futebol. Olhando um pouco mais para
cima, ou para baixo, vê-se que o
governo FHC possui o mesmo vício, o de achar que tem toda a razão, ou, pelo menos, a intenção de
demonstrar que sabe o que está
fazendo.
Talvez o ""com certeza" seja uma
consequência da ideologia que
tenta decretar que a história acabou, que não há mais dúvidas,
que sabe-se o que é certo e ponto
final. O capitalismo venceu, o
neoliberalismo é mesmo a única
forma de lidar com a economia, a
globalização é uma maravilha e
FHC é mesmo o melhor presidente
possível.
Tantas certezas fizeram-me sofrer uma crise de nostalgia e voltar alguns anos no tempo, quando
dialética era a palavra da moda
nos bares.
Eu mesmo a usei muitas vezes
sem saber do que estava falando.
Pensando bem, ninguém sabia o
que ela queria dizer; mas falava-se, contestava-se, procurava-se o
lado reverso das questões e, mesmo por vias tortas, havia uma dinamização do raciocínio.
Mas desapareceram os antípodas, morreram os modelos contrários. Não há mais dialética, só a
monolética.
Talvez quem possa nos fazer entender melhor essa Era da Certeza
não seja Hobsbaw, ou Marx. Mas
Viola, um sábio dos tempos modernos. Numa recente entrevista,
ele disse ""Com certeza, eu acho
que posso fazer um gol hoje se..."
Com esse ""com certeza, eu acho
que..." , Viola mostra que não há
a certeza, mas sim um achismo
disfarçado em certeza. Viola mostra que o pensamento único não
aceita contestação, mas também
não sabe direito para onde está
indo.
Essa convicção dá ao mundo
contemporâneo uns ares de Idade
Média. Pessoalmente não vejo esse admirável mundo novo com
bons olhos (mesmo porque sou
míope), e confesso que prefiro o
""Só sei que nada sei" , de Sócrates
(o filósofo, não o jogador) ao consenso aborrecido dos dias de hoje.
Parece que quando falta a dúvida, falta conflito, graça, paixão.
Enfim, falta a dialética. Se é que
alguém sabe o que é isso.
Lógica dos torcedores do Fluminense:
Premissa maior: ""O Corinthians é o campeão do mundo".
Premissa menor: ""O Fluminense ganhou do Corinthians".
Conclusão: ""O Fluminense é o
melhor time do mundo".
José Roberto Torero escreve às terças e
sextas
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