São Paulo, Terça-feira, 25 de Janeiro de 2000


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FUTEBOL
A era da certeza

JOSÉ ROBERTO TORERO

Os jogadores de futebol protagonizam várias modas verbais. Na década de setenta, houve o ""a gente vamos dar tudo de si" e, nos anos oitenta, só se escutava ""com determinação e garra nós vamos conseguir a vitória".
Hoje em dia a regra é o ""Com certeza...". Pode reparar, caro leitor. Todo jogador começa sua frase com um ""com certeza", não importando o que venha depois.
""E então, vocês vencem hoje?"
""Com certeza. Se nós não perdermos nem empatarmos, vamos ganhar."
O pior é que essa moda verbal está se alastrando. Já há técnicos, como Luxemburgo, dirigentes, como Marcelo Teixeira, e atletas de outros esportes, como o vôlei de praia e o atletismo, que sempre começam suas frases assim.
Acho que esse cacoete verbal serve para dar a impressão de que o falante tem absoluto domínio sobre o assunto em questão.
É uma forma de atestar segurança, conhecimento e convicção. Hoje têm-se medo de mostrar dúvidas, hesitação, titubeios. Vivemos, ao contrário do que decretou o historiador Eric Hobsbawn, a Era da Certeza.
Mas isso não é exclusivo do futebol. Olhando um pouco mais para cima, ou para baixo, vê-se que o governo FHC possui o mesmo vício, o de achar que tem toda a razão, ou, pelo menos, a intenção de demonstrar que sabe o que está fazendo.
Talvez o ""com certeza" seja uma consequência da ideologia que tenta decretar que a história acabou, que não há mais dúvidas, que sabe-se o que é certo e ponto final. O capitalismo venceu, o neoliberalismo é mesmo a única forma de lidar com a economia, a globalização é uma maravilha e FHC é mesmo o melhor presidente possível.
Tantas certezas fizeram-me sofrer uma crise de nostalgia e voltar alguns anos no tempo, quando dialética era a palavra da moda nos bares.
Eu mesmo a usei muitas vezes sem saber do que estava falando. Pensando bem, ninguém sabia o que ela queria dizer; mas falava-se, contestava-se, procurava-se o lado reverso das questões e, mesmo por vias tortas, havia uma dinamização do raciocínio.
Mas desapareceram os antípodas, morreram os modelos contrários. Não há mais dialética, só a monolética.
Talvez quem possa nos fazer entender melhor essa Era da Certeza não seja Hobsbaw, ou Marx. Mas Viola, um sábio dos tempos modernos. Numa recente entrevista, ele disse ""Com certeza, eu acho que posso fazer um gol hoje se..."
Com esse ""com certeza, eu acho que..." , Viola mostra que não há a certeza, mas sim um achismo disfarçado em certeza. Viola mostra que o pensamento único não aceita contestação, mas também não sabe direito para onde está indo.
Essa convicção dá ao mundo contemporâneo uns ares de Idade Média. Pessoalmente não vejo esse admirável mundo novo com bons olhos (mesmo porque sou míope), e confesso que prefiro o ""Só sei que nada sei" , de Sócrates (o filósofo, não o jogador) ao consenso aborrecido dos dias de hoje.
Parece que quando falta a dúvida, falta conflito, graça, paixão. Enfim, falta a dialética. Se é que alguém sabe o que é isso.
 
Lógica dos torcedores do Fluminense:
Premissa maior: ""O Corinthians é o campeão do mundo".
Premissa menor: ""O Fluminense ganhou do Corinthians".
Conclusão: ""O Fluminense é o melhor time do mundo".


José Roberto Torero escreve às terças e sextas

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