São Paulo, sexta-feira, 25 de junho de 2010

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PAUL DOYLE

Fim das caricaturas


O curto prazo terá um embate entre o espírito de aventura alemão e o pragmatismo ítalo-inglês


NESTA SEMANA Fabio Capello teve uma epifania. Alguma coisa -quem sabe as performances constipadas de sua seleção contra os EUA e a Argélia- lhe disse que seu estilo de comando ditatorial estava intensificando a pressão sobre os jogadores.
Então, em uma iniciativa pouco característica, ele os mandou tomar cerveja na noite anterior ao jogo decisivo com a Eslovênia. Talvez a única coisa mais surpreendente do que a atitude do italiano obstinado tenha sido o fato de que farristas notórios, como John Terry, não tenham lhe dado motivos para lamentá-la. Não voltaram para o hotel às 6h com canecas vazias e sorrisos abobalhados. Isso mostra que é possível ir além das caricaturas.
O próxima rival inglês, a Alemanha, também superou uma caricatura nesta Copa. A seleção de Joachim Löw vem jogando com ousadia, obrigando até mesmo os jornais ingleses a abrir mão do clichê de que a Alemanha é um time de robôs cruéis.
Isso não aconteceu por acaso. É fruto de muitos anos de trabalho dos alemães, que nos últimos anos vêm cultivando talentos jovens tão bem que quando, há quase um ano, a Alemanha arrasou a Inglaterra por 4 a 0 na final do Europeu sub-21, tornou-se o primeiro país a ostentar simultaneamente os títulos sub-17, sub--19 e sub-21. Seis jogadores alemães daquela final estão na seleção de Löw, provando que a Alemanha não tem medo de confirmar sua confiança em seus jovens. Em contraste, Capello convocou só um dos finalistas ingleses no sub-21 (James Milner).
O fato de os ingleses terem chegado àquela final desmentiu outra caricatura: a de que a Inglaterra, movida pela Premier League, só sabe comprar talentos, não alimentá-los. Enquanto o time de Ca- pello treinava para a Copa na Áustria, uma safra de jovens ingleses encerrava o domínio alemão nas categorias de base, ganhando o Europeu sub-17.
O futuro da Inglaterra no médio prazo pode ser animador se os ingleses tiverem coragem de acreditar nele. Mas o curto prazo, apesar da licença para beber dada por Capello, reserva um embate entre o espírito de aventura alemão e o pragmatismo ítalo-inglês. O resultado talvez dependa da capacidade de a Inglaterra superar outra caricatura: a de que os ingleses são demasiado fracos, mentalmente falando, para vencer disputas de pênalti.

PAUL DOYLE é redator-chefe de futebol do jornal britânico "The Guardian"

Tradução de CLARA ALLAIN


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