São Paulo, quarta-feira, 25 de agosto de 2004

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o maratonista

Táxi em Atenas não estaciona, faz rasante e quase passa por cima do passageiro em potencial -é uma lotação de luxo, que esnoba clientes que não seguem para a mesma direção do motorista

TAXI driver

PAULO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS

Em cinco quilômetros a caminhada passou por Glyka Nera e está em Angia Paraskevi; depois de um bom pedaço sem grandes surpresas, o celular toca.
É o amigo Labros Panaioto, confirmando para a tarde uma outra modalidade de corrida, a de táxi, que em Atenas exige quase tanto preparo físico para o passageiro quanto uma maratona.
Na maior parte das vezes, é necessário ficar no meio da rua, fazendo sinal para motoristas que nunca chegam a parar completamente o carro: fazem rasantes, e o potencial passageiro grita para onde vai. Se não estiver indo para aquela região, o motorista faz cara de desentendido e se reserva o direito de seguir sem dar nenhuma satisfação, e a impressão é a de que vai passar com a roda em cima dos pés de quem está lá fora.
Uma das categorias mais odiadas pelos próprios gregos, não é difícil imaginar o que pensam os estrangeiros dos motoristas de táxi, especialmente quando têm de dizer alto palavras como "Mataxourgio", nome de um bairro local, e ainda por cima receber uma acelerada como resposta.
Labros, 32, é motorista há três anos e dirige um Seat Toledo 1997. Ele topa a proposta da reportagem de acompanhar seu trabalho por uma tarde. Isso só é possível porque em Atenas, apesar de proibido, os táxis viram lotação, levando mais de dois passageiros que estejam indo para a mesma direção: quem desce antes paga uma fração da corrida.
"Eu tenho duas teorias para explicar por que os motoristas de táxi agem assim em Atenas", diz Labros. "A primeira é: existem mais passageiros do que táxis na cidade. Então, como tudo na vida, quem precisa mais está nas mãos do outro", resume. Ele informa que há 17 mil táxis em Atenas, para cerca de 3,5 milhões de habitantes, sem contar os turistas.
A segunda teoria, diz ele, está ligada a uma particularidade da categoria: "Como a gente transporta muita gente que nunca mais vai ver na vida, é fácil dizer qualquer coisa num momento de nervosismo. Ainda mais em uma cidade com o trânsito como o de Atenas, que deixa qualquer um estressado", explica o motorista, que trabalha todos os dias, inclusive finais de semana, das 15h às 3h e roda uma média diária de 200 km: ganha 1.800 por mês.
Sua primeira passageira é a estudante Nineta Kotsary, 22, que costuma pegar táxi duas vezes por semana. "Não sei quanto a ele [Labros], mas a maioria age sem nenhuma educação, como se estivesse fazendo um grande favor", diz Nineta, que desce dois quilômetros depois e paga 1,37.
Mais dois quarteirões e entra um voluntário olímpico de 19 anos que, logo em seguida, divide o banco de trás com uma mulher de uns 30 anos, bronzeada, minivestido lilás: ela arranca suspiros de Labros, e o faz abaixar o tom de voz. Quando a mulher sai, ajeitando o vestido atrás, ele conta que não é casado e se define como "free as taxi driver":
"Uma vez transportei uma menina de uns 21 anos que estava triste, coitadinha, indo visitar a mãe no hospital. Conversei com ela, a tranqüilizei e no fim ganhei um beijo erótico", empolga-se.
Três horas depois Labros já havia transportado 15 pessoas.
Ele conta que trabalhou no porto, no aeroporto, conheceu pessoas de todo lugar do mundo, "mas não há experiência como a de um motorista de táxi". "Você faz psicanálise com todo tipo de gente. Entra mulher chorando, adolescente drogado, pai de família desempregado, prostituta. Com o tempo, você já sabe de quem se trata só pelo jeito como o passageiro chama o táxi. Os ricos, por exemplo, não escolhem lugar: acham que o táxi pode parar o trânsito em uma avenida movimentada só para pegá-los", diz.
E pergunta: "No Brasil, como é?".


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