São Paulo, terça-feira, 25 de outubro de 2005

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FUTEBOL

Paixões

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

As paixões clubísticas levam a fama de cegar as pessoas, turvar os julgamentos, causar desatinos. Como se outras paixões, não pudessem produzir os mesmos efeitos...
Vamos tentar deixar momentaneamente de lado algumas (outras) emoções, como o ódio aos governos e autoridades (sentimento que, assumidamente, levou muita gente a votar "Não" anteontem como forma de protesto, afirmação de independência, crítica aos políticos, etc.); a repulsa da polícia às torcidas organizadas e vice-versa. Há motivos para essa aversão, mas ela não deve resultar em estratégias contraproducentes de combate à violência (é disso que quero tratar).
Por mais que eu discorde de inúmeras decisões de Luiz Zveiter, não é ele o culpado pelos conflitos e mortes recentes. Somos muitos os responsáveis -cartolas, jornalistas, as tais autoridades, cidadãos em geral.
Só por reunir multidões, um estádio de futebol já é potencialmente perigoso. Mas várias coisas podem ser feitas para reduzir os riscos de tumulto, como organizar a entrada e saída dos torcedores. Aproximar-se do estádio é arriscado e enervante; com que estado de ânimo as pessoas chegam lá, e que tipo de gente se dispõe a isso? É selvagem a disputa de espaço entre carros, pedestres, ambulantes, cambistas, flanelinhas, cavalos e motos ao redor do Morumbi, por exemplo. É um milagre que ninguém seja atropelado. Junte-se a isso o sufoco para comprar ingresso, descobrir o portão, se espremer na roleta, ir ao banheiro: está instalado o salve-se quem puder, a lei do mais forte, o desrespeito como padrão.
Existem mil sugestões de como organizar melhor esse acesso -reduzir o trânsito de veículos no entorno, criando bolsões de estacionamento e translado; firmar horários diferentes para a entrada de cada setor; incentivar a compra de carnês; criar dezenas de pontos-de-venda de ingressos personalizados; fazer respeitar o lugar marcado (o que facilita a identificação de agressores).
A repressão precisa ser correta para ser eficiente. Enquanto uma parte da polícia -e da sociedade- entender que descer o cacete é o melhor meio de lidar com um delinqüente, nada será resolvido. O sujeito espancado volta ao estádio exibindo seus hematomas como troféus. Precisamos de inteligência nas investigações e do bom funcionamento da Justiça para a aplicação das penas indicadas.
E não podemos esquecer que investir em segurança é fundamental, mas não é tudo. Numa sociedade que defende a violência como forma de resolução de conflitos -os pais não ensinam o filho pequeno a dar porrada na escola?- não é de se admirar que jovens saiam por aí se gabando da própria malvadeza e querendo demonstrá-la a qualquer pretexto. Quem detesta a violência deve prestar atenção se não chama de babacas os que pregam uma cultura da paz... Com as razões que temos para desconfiar uns dos outros, façamos um esforço para reconhecer o que cabe a cada um para dar um fim a essa guerra.

Time misto
Após propostas sensatas, uma extravagante. Pode rir, não ligo. Em momentos de agressividade exacerbada como o que vivemos, um homem só deveria poder entrar no estádio acompanhado por pelo menos uma mulher -irmã, namorada, mãe, filha, amiga. Deixo as explicações sobre homorrivalidade, a competição natural entre pessoas do mesmo sexo, para o psiquiatra Joaquim Motta, autor do livro "Gol, Guerra e Gozo" -mas não é preciso ser especialista para saber o que hordas de machos são capazes de fazer para provar sua "superioridade" sobre os rivais.

Lacuna
Mesmo com tantas decepções, tanto desencanto, é estranho um domingo sem futebol.

E-mail soninha.folha@uol.com.br

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