São Paulo, sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

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FÁBIO SEIXAS

O relógio do Chico

Morto na última segunda, suíço foi o último piloto a vencer na Gávea e levou para casa um prêmio inesquecível

ERAM TRÊS os nobres europeus na última edição do Grande Prêmio da Cidade do Rio de Janeiro, no "Trampolim do Diabo", o circuito da Gávea. Dois barões, um austríaco e um suíço, e o português dom Fernando de Mascarenhas.
Mas a grande estrela da prova, naquele janeiro de 1954, passava longe de qualquer título nobiliário. O ex-mecânico Chico Landi era o favorito à vitória, ao volante de uma Ferrari.
Tudo parecia seguir o script. Landi largou na frente, manteve a ponta, mas, na segunda volta, teve de parar com um pneu murcho. Só voltou à disputa dez minutos depois, sorte diferente da maioria de seus rivais.
Traçado traiçoeiro, a Gávea engolia um a um os concorrentes. Sair vivo de choques em árvores, batidas em postes, esbarrões em barrancos e quetais era um troféu à parte. Muitos não o conseguiam -entre outros, o "trampolim" matou um dos seus primeiros heróis, o petropolitano Irineu Corrêa, que em 1935 mergulhou num canal com seu Ford.
Mas voltemos a 1954... Após resolver o problema no pneu, Landi manteve-se na pista, acelerou, emplacou uma recuperação fantástica, alcançou o terceiro lugar, mas disso não passou. Em segundo, ficou o italiano Giulio Musitelli, também pilotando uma Ferrari. O vencedor, o barão suíço Emmanuel "Toulo" de Graffenried, ao volante de uma Maserati.
Em "Circuito da Gávea", Paulo Scali, pesquisador de mão cheia e coração sujo de graxa, relata essas histórias e conta mais. Conta, por exemplo, que a simpatia do nobre contagiou pilotos, mecânicos e o público. E conta um causo fantástico.
"Em 1987, o barão declararia à revista italiana "Le Grandi Automobili" que, na cerimônia de entrega de prêmios do circuito da Gávea, um encabulado cavalheiro entregou-lhe um relógio de ouro com a inscrição "Ao vencedor Chico Landi'", escreve.
Graffenried morreu nesta semana, na segunda-feira. Tinha 92 anos, morava em Lausanne e, após décadas atuando como embaixador da Marlboro, estava aposentado. Lá fora e aqui, sites e jornais replicaram a informação: "Morre o último remanescente do primeiro GP da F-1".
Para começo de conversa, replicaram errado. O inglês Tony Rolt, que dividiu carro com Peter Walker, está vivinho, aos 88. Mas não é só isso.
É emblemático que sites e fóruns especializados em automobilismo -que aqui tentam suprir a falta das publicações que pululam na Europa e muitas vezes erram feio- não tenham em nenhum instante citado que o simpático barão foi o último vencedor do circuito da Gávea.
Nossa memória só dura até o próximo ídolo, a próxima conquista, a próxima tragédia, a próxima crise. Por isso, Interlagos não conta com um museu. Por isso, Jacarepaguá foi dizimada. Por isso, pesquisas como as de Scali -que também escreveu "Circuitos de Rua", já citado na coluna- não têm apoio ou divulgação. Por isso somos o que somos.
E nada mais.

CENA RARA
A empresa que comprou os direitos das Mil Milhas e no ano passado revigorou a prova não conseguiu organizar a corrida na sua data tradicional, janeiro. O evento acontecerá no final do ano, como etapa do Le Mans Series, proibitivo para protótipos nacionais. Menos mal que Interlagos recebe até domingo um belo evento com exposições e provas de carros desde a década de 20. Ontem, o Copersucar andou por lá. Vale a pena uma visita. A programação está no www.classicosdecompeticao.com.br.

DOIS CENÁRIOS
Três dias de chuva e neve em Vallelunga, e tudo o que Raikkonen conseguiu até agora foram 102 voltas, ou 417 km, com a Ferrari do ano passado. Enquanto isso, em Valencia, Alonso vem voando. O espanhol começou 2007 melhor.


fseixas@folhasp.com.br

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