São Paulo, quinta-feira, 26 de agosto de 2004

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O maratonista

Timão tá na PRO-PO

Na loteria esportiva helênica, é possível apostar nos clubes do Campeonato Brasileiro -para os gregos, Brasil não é só sinônimo de futebol e mulatas, mas de violência, que rende até comparações com a Albânia

PAULO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS

A cena foi registrada no café da manhã do hotel: o voluntário Fotios Mavraganis, 26, que trabalha no balcão do self-service, informa a um jornalista brasileiro que Vasco e Guarani empataram no último domingo.
Como assim? Será que ele acompanha o campeonato nacional? "Sim, a gente assiste aos jogos pela TV, sabe tudo o que acontece nos times consultando três sites especializados e torce por eles, porque os da Série A entram numa loteria muito popular aqui na Grécia", explica Mavraganis, que se diz corintiano.
Por causa disso, o objetivo da caminhada na avenida Maratona passa a ser achar uma "pro-po", como eles chamam as casas lotéricas, para obter mais explicações. "Pro-po" é a abreviatura de "prognostiká pothospherico aghona", ou "previsão dos jogos de futebol".
A primeira a aparecer no caminho está na altura do km 35, em Holandri. O gerente, Haralambos Kelbakouris, 47, que torce pelo Santos, mostra como a loteria funciona. Na verdade, existem dois programas na chamada "pame stihima" (ou algo como "vamos apostar"). Durante a semana, só entram os times europeus; nos finais de semana, juntam-se a eles os do Brasil e da Argentina. As equipes gregas não participam -elas têm sua própria loteria.
"O cliente pode escolher de três a dez jogos dos 200 da cartela, e as apostas começam em 0,30 e não têm limite", conta Haralambos, que se diz fanático por futebol.
No último domingo, informa ele, o prêmio foi de 7.000: ganhou um ateniense que apostou 300 em quatro jogos.
Na hora da foto, o gerente da lotérica posa com a cartela, depois de sublinhar os dez jogos do Brasil que participaram: com forte sotaque, ele chama Figueirense de Freguesia e Goiás de Gôas.
A nítida simpatia de gregos por brasileiros aparece não só no futebol. Eles mudam a expressão quando começam a falar de Carnaval e mulatas. Dois guardas no caminho exclamam "Vrazilia! Bravo! Samba!", alisando um violão imaginário.
O problema é que, como as imagens das mulatas sambando na Sapucaí aparecem aqui tanto quanto as de bandidos matando nas ruas, os gregos têm muito receio de visitar o Brasil: fazem até comparações com o povo albanês, vizinhos indesejáveis, considerados invasores e donos de um "mau coração":
"Eles são como os brasileiros, matam para roubar", diz em uma farmácia na beira da avenida, num tom mais de lamentação do que de agressão, a empresária Anastasia Fragos, 33.
Depois da caminhada, o almoço é no Thanasis, em Monastiraki, centro de Atenas. Inaugurado em 1966, o lugar tem fama de servir o melhor kebab da cidade. Spiros Kutsilianos, 38, da segunda geração de donos, explica que chega ali às 4h para preparar os cerca de 5.000 kebabs de carne de carneiro com vaca que saem por dia. O sanduíche é composto de pão pita, carne moída, tomate e cebola: custa 1,40. "O carneiro vem da Nova Zelândia", explica Spiros, no caixa.
Duas americanas que esperam mesa e observam a entrevista dizem que já estiveram no Brasil. Medo. Elas passam a lembrar palavras como "Ipanema", "legal", "muito obrigado", até que vem a pergunta:
"Como é mesmo o nome daquele lugar onde ficam os escravos?", quer saber a enfermeira Marva Martin, 58, sem a menor maldade. Por um instante, a reportagem acha que entendeu mal, mas é aquilo mesmo, "slaves". Após alguns minutos arriscando, elas finalmente pronunciam, sem dimensionar o tamanho da gafe: "Roxía". Entende-se depois, é a favela da Rocinha.


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