São Paulo, domingo, 26 de agosto de 2007

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TOSTÃO

Contra fatos há outros fatos



Dunga não precisa agir como normopata, basta ser eficiente como quando mexeu bem no time na final da Copa América


AINDA NÃO TERMINOU essa medíocre dúvida se os dois melhores jogadores do mundo, Ronaldinho e Kaká, deveriam ser ou não titulares da seleção.
Quando Dunga diz que precisa ser justo com os jogadores que estiveram na Copa América, que tem de analisar somente os fatos, ser coerente, que há 22 titulares e tantas outras coisas, ele apenas repete o que os treinadores falam. Nem disse nada absurdo.
As críticas ao Dunga são menos pelo que ele fala e mais pela sua maneira de dizer, quase sempre zangado, hostil e com cara de confronto. O seu olhar e gestos falam muito mais que suas palavras.
Dunga, obcecado pela concretude dos fatos, passa a impressão de que não existem dúvidas nem subjetividade nos seus conceitos. É tudo seco, é ou não é, na bucha, sem nenhuma fantasia.
A franqueza, coerência, racionalidade e outras qualidades deveriam ser buscadas por todos. Mas certas pessoas são tão coerentes, tão racionais, tão francas, tão exatas, tão operatórias, tão organizadas e tão normais que essas virtudes se tornam problemas. São os normopatas, dizem os psicanalistas.
Não penso que Dunga quis castigar os dois craques com a reserva por não terem ido à Copa América.
O treinador, no seu excessivo pragmatismo e estreiteza, tem convicção de que agiu certo, com coerência, justiça e seriedade.
Dunga não deu motivo também para ninguém duvidar de sua seriedade. A sua conivência com os interesses da CBF precisa ser criticada, mas ele não faz nada diferente do que os outros técnicos da seleção fizeram. Todos querem garantir o emprego. Infelizmente, assim age a maioria da sociedade.
Não sou psicólogo, psicanalista -embora tenha estudado para isso-, nem tenho certeza do que escrevo, muito menos de verdades absolutas.
Apenas opino e divago sobre o assunto. Como cronista, tenho esse direito. Não posso ser apenas um repetidor, um analista de números e de fatos concretos, como quer Dunga. Além do mais, contra fatos, há sempre argumentos ou fatos mais interessantes.
Se Dunga demonstrar em muitas outras situações a eficiência que mostrou na partida da final da Copa América, quando substituiu muito bem Elano, contundido, por um jogador que não era de sua posição (Daniel Alves), o Brasil terá um bom técnico nos próximos anos, mesmo com a cara zangada e com Afonso de centroavante.

Feio e retranqueiro
Em uma entrevista ao programa "Arena Sportv", Mário Sérgio, que foi um excelente comentarista de detalhes técnicos e táticos, disse, entre tantas coisas, que utiliza bastante a falta tática para parar o contra-ataque, que tem sempre alguns pitt bulls para anular os melhores do outro time, que adora marcação individual -estratégia abandonada há muito tempo pelos europeus- e que gosta de futebol de muita pegada. E ironizou os "poetas" que querem ver futebol bonito.
Todos escutaram em silêncio tanta sabedoria desse defensor do futebol feio, faltoso e retranqueiro. Se não fossem os poetas, o mundo estaria muito pior.



tostao.folha@uol.com.br

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