São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2008

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TOSTÃO

Estatutos do futebol


Técnicos do Brasil precisam, com urgência, parar de escalar volante brucutu e armador habilidoso no ataque

SÓ UM POLICARPO Quaresma e um Pachecão ainda acham que existem, aqui e no exterior, excelentes volantes brasileiros para o nível da seleção. Há algumas boas promessas, como Hernanes, Ramires e outros.
Depois de Falcão, não surgiu um único craque no meio-campo. Isso é grave. Kaká e Ronaldinho são meia-atacantes. Mauro Silva, Dunga, César Sampaio, Gilberto Silva e outros excelentes volantes não foram craques, além de jogarem do meio para trás.
Não agüento mais escutar -ando sem paciência- que no futebol corrido e pegado de hoje não há mais espaço para grandes talentos no meio-campo.
Uma das razões para essa carência no Brasil foi a divisão que houve no meio-campo entre os volantes, que quase só marcam, e os meia-atacantes, que quase só atacam. Desapareceram os típicos e grandes armadores, que marcavam, trocavam passes, controlavam o jogo e sabiam o momento certo de reter a bola e de acelerar. O futebol ficou mais feio.
Para fazer a cobertura dos laterais, os técnicos brasileiros criaram, tempos atrás, um monstro, o volante quase zagueiro, brucutu, que não sabe jogar futebol. Com o tempo, tentam corrigir o erro, escalando um terceiro zagueiro e os volantes no meio-campo. Com isso, melhorou a qualidade dos volantes. Por outro lado, como os alas só atuam pelos lados, os times perderam um armador para ter um terceiro zagueiro. Isso é ruim.
Na Europa, não existe o terceiro zagueiro nem o volante-zagueiro. Os laterais só marcam. Os volantes atuam no meio-campo, desde as categorias de base. Por isso existem vários excepcionais armadores, como Xavi, Fàbregas, Gerrard, Lampard, Deco, Pirlo e Ballack. Todos marcam, organizam as jogadas e chegam ao ataque.
Prefiro uma solução diferente da européia e da maioria dos times brasileiros. Dos cinco candidatos ao título, só o Cruzeiro joga com dois zagueiros, alternando o avanço entre os laterais e entre os volantes e os laterais. Com essa formação, o time continua com um terceiro defensor, com os laterais apoiando e com os volantes no meio-campo, além de não perder um armador.
Repito, pela milésima vez, que muito mais importante que esquemas táticos é a qualidade dos jogadores. Porém eles brilham muito mais quando jogam em equipes organizadas.
A solução mais urgente para formar talentos no meio-campo é os técnicos, desde as categorias de base, pararem de escalar volantes que só marcam e de colocar armadores habilidosos para jogar somente como meia-atacantes. É preciso descobrir solistas, pianistas. O meio-campo está saturado de carregadores de piano.
Parafraseando uma das mais belas poesias de Thiago de Mello ("Os Estatutos do Homem"), fica decretado que os técnicos não podem escalar brucutus no meio-campo e que os atletas e treinadores assumem um compromisso com a beleza e com a qualidade do futebol, sem perder a eficiência.
Thiago de Mello, amigo do mestre Armando Nogueira, escreveu ainda que a única coisa proibida é amar sem amor. Parafraseando de novo o grande poeta, é proibido jogar sem paixão, sem ousadia e sem utopias.


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