São Paulo, quarta-feira, 26 de novembro de 2008 |
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TOSTÃO Desumanização do futebol
SEI E RECONHEÇO a importância dos técnicos. Ao escrever que até Ricardo Teixeira, mesmo sem entender nem gostar de futebol, teria bons resultados como técnico da seleção, quis apenas criticar e ironizar com um exagerado exemplo a supervalorização dos treinadores. Nelson Rodrigues foi o grande craque e mestre do exagero, das hipérboles, das metáforas extravagantes e da aproximação dos contrários. Já escrevi mil vezes que os atletas só atuam bem quando jogam em equipes organizadas. Os treinamentos corretos, a repetição de detalhes, a disciplina tática, as informações e as observações dos adversários, a capacidade de manter os jogadores atentos e motivados em todos os jogos e outros trabalhos que são feitos pelos bons técnicos são fundamentais para a equipe. Isso é um fato. Outro é achar que qualquer substituição ou mudança tática seja a principal responsável pelas vitórias e pelas derrotas. Com freqüência, um técnico erra na substituição, o time piora, ganha por outros motivos, e o treinador é bastante elogiado. Outras vezes, ocorre o contrário. Não foi tão surpreendente a perda do título pelo Palmeiras nem os erros de Vanderlei Luxemburgo na formação do elenco. Ele é só um excelente treinador, que erra e acerta, e não um mágico que decide as partidas e os títulos, ainda mais depois que quis ser o dono do mundo. Não há mais nenhuma dúvida de que Muricy Ramalho é outro excelente treinador. O que não se deve é achar que o São Paulo tem jogadores modestos e que só ganha porque é muito bem treinado. Individualmente, o São Paulo é o único time que tem três jogadores que merecem estar na seleção (Rogério Ceni, Miranda e Hernanes), além de outros bons. Além disso, o São Paulo, há muitos anos, é um clube maior que o técnico. Quando contrata um treinador, não traz uma nova comissão técnica. Se os outros clubes quiserem ganhar mais títulos, precisam se organizar melhor para não dependerem de técnicos e de jogadores estrelas e caros, muitas vezes de eficiência duvidosa. A principal diferença de Muricy para outros técnicos, principalmente para os jovens Caio Júnior e Adilson Batista, que acertaram mais que erraram, é que os comentaristas e até os torcedores que torcem de costas para o gol entendem as mudanças que Muricy faz durante as partidas ou entre uma partida e outra. Quando só o técnico entende o que faz, há grande chance de dar errado. Muricy faz muito bem, e os jogadores executam com eficiência o que é comum, essencial. O treinador conhece profundamente o que é básico. Técnico adora afirmar nas entrevistas que é o responsável por 30% das vitórias, e os jogadores, por 70%. Uma das maneiras de o ser humano expressar a vaidade é se parecer modesto. Com o inevitável e bem-vindo progresso científico, o futebol passou dos jogadores para os técnicos. Esses deveriam, no mínimo, dividi-lo com os atletas. O que mais me preocupa hoje é a transformação progressiva do futebol em um esporte robotizado, utilitário, tecnicista e previsível. Será a perda do encanto e a desumanização do futebol. Texto Anterior: Tênis: Voltas e reviravoltas Próximo Texto: Azarões embolam a disputa pela artilharia nacional Índice |
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