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FUTEBOL
Estou sem paciência
TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA
Não são somente os atletas
que precisam de férias, mas
todos que trabalham no esporte.
Nesse ano, passei a maior parte
do tempo vendo partidas no Brasil e em todo o mundo, lendo os
noticiários dos jornais e assistindo aos programas esportivos. São
tantos. Gosto muito de futebol,
faz parte do meu trabalho, porém
estou cansado.
Estou sem paciência com tantos
jogos ruins e com tantos jogadores medianos atuando nas principais equipes do Brasil e do exterior. Há faltas demais no futebol
(o Brasil é recordista mundial),
lances violentos e uma excessiva
valorização da pegada.
Estou sem paciência com tanta
violência dentro e fora dos estádios e na sociedade. É um risco ir
a um jogo. O torcedor é também
desrespeitado. A violência é a
principal causa do baixíssimo número de espectadores.
Estou sem paciência de escutar
as mesmas palavras, frases e lugares comuns, ditas pelos jogadores
e técnicos após as partidas. Poucos dão explicações claras e sinceras sobre o que aconteceu no jogo.
A maioria enrola.
Estou sem paciência com os gritos dos narradores da televisão.
Narram como se fosse pelo rádio e
se ninguém enxergasse os lances.
Galvão Bueno parece um animador de auditório. Gosto mais dos
bate-papos inteligentes, informais e irônicos entre o narrador e
o comentarista.
Estou sem paciência com o excesso de informações durante as
partidas, mesmo quando a bola
rola. Assim como os narradores
disputam quem grita gol mais alto, alguns repórteres e/ou comentaristas disputam quem sabe
mais histórias dos clubes e dos jogadores.
As informações do passado são
importantes quando ajudam a
entender o presente.
Estou sem paciência com a vaidade e prepotência de alguns técnicos. Mesmo quando diz besteiras, Luxemburgo é aplaudido pelos aduladores. O técnico virou
também professor de ética.
A dúvida não é sobre o que ele
diz -estou de acordo com muitas coisas-, e sim acreditar no
que ele diz que faz.
Seu comportamento não combina bem com as suas palavras.
No comando das equipes é outra
história. Luxemburgo é um excepcional treinador.
Estou sem paciência com a incompetência e falta de transparência de muitos dirigentes.
A escassez de dinheiro é justificativa para todos os problemas
dos clubes.
Estou sem paciência com tantas
patotas nos clubes, federações,
CBF, na crônica esportiva, nos governos e em todos os lugares. Há
pequenas e grandes patotas, que
representam quase o pensamento
único. As pessoas de uma turma
só escolhem, citam e elogiam os
que fazem parte ou têm algum
vinculo com a mesma turma. O
Brasil é o país das patotas.
Já a principal virtude da sociedade americana (alguns dizem
que é a única) é o fascínio pela
competência, independentemente de raça, religião, naturalidade
e da patota.
Estou sem paciência com as coisas que escrevo. Preciso repensar
o meu trabalho. Repito demais
palavras e conceitos. Pelo menos,
posso escrever o que desejo. Se trabalhasse na televisão, teria de comentar muitas coisas inúteis, redundantes e já ditas mil vezes por
outros comentaristas.
Estou sem paciência com tantas
coisas, porém gostei muito de outras, principalmente da atuação
dos grandes craques. Houve também partidas belíssimas e surgiram alguns promissores jogadores e treinadores. Há alguns bons
dirigentes e clubes se preparando
para o futuro. Existem muitos
brilhantes e sérios jornalistas esportivos. Melhorou também o calendário brasileiro, não há mais
viradas de mesa, jogos às terças,
quintas e domingos nem coincidência de datas dos jogos da seleção e dos clubes e foi mantida a
fórmula por pontos corridos, a
única justa.
Vou tirar férias. Talvez sinta
saudade de tudo que me incomoda hoje ou, pelo menos, consiga
suportar melhor quando voltar.
Preciso desfrutar com mais intensidade de outros prazeres, como ir
ao cinema e ao teatro, ler, conversar sobre outros assuntos, conviver mais com a natureza, com os
cantos dos pássaros, com a minha
cachorra e fiel companheira Lambreca e, principalmente, ficar
mais perto das pessoas queridas.
Espero que os leitores aproveitem bem as férias do futebol e que
tenham mais paciência no próximo ano com atletas, técnicos, dirigentes, com a crônica esportiva e
com esse colunista. Até breve.
E-mail
tostao.folha@uol.com.br
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