São Paulo, domingo, 26 de dezembro de 2004

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FUTEBOL

Estou sem paciência

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Não são somente os atletas que precisam de férias, mas todos que trabalham no esporte. Nesse ano, passei a maior parte do tempo vendo partidas no Brasil e em todo o mundo, lendo os noticiários dos jornais e assistindo aos programas esportivos. São tantos. Gosto muito de futebol, faz parte do meu trabalho, porém estou cansado.
Estou sem paciência com tantos jogos ruins e com tantos jogadores medianos atuando nas principais equipes do Brasil e do exterior. Há faltas demais no futebol (o Brasil é recordista mundial), lances violentos e uma excessiva valorização da pegada.
Estou sem paciência com tanta violência dentro e fora dos estádios e na sociedade. É um risco ir a um jogo. O torcedor é também desrespeitado. A violência é a principal causa do baixíssimo número de espectadores.
Estou sem paciência de escutar as mesmas palavras, frases e lugares comuns, ditas pelos jogadores e técnicos após as partidas. Poucos dão explicações claras e sinceras sobre o que aconteceu no jogo. A maioria enrola.
Estou sem paciência com os gritos dos narradores da televisão. Narram como se fosse pelo rádio e se ninguém enxergasse os lances. Galvão Bueno parece um animador de auditório. Gosto mais dos bate-papos inteligentes, informais e irônicos entre o narrador e o comentarista.
Estou sem paciência com o excesso de informações durante as partidas, mesmo quando a bola rola. Assim como os narradores disputam quem grita gol mais alto, alguns repórteres e/ou comentaristas disputam quem sabe mais histórias dos clubes e dos jogadores.
As informações do passado são importantes quando ajudam a entender o presente.
Estou sem paciência com a vaidade e prepotência de alguns técnicos. Mesmo quando diz besteiras, Luxemburgo é aplaudido pelos aduladores. O técnico virou também professor de ética.
A dúvida não é sobre o que ele diz -estou de acordo com muitas coisas-, e sim acreditar no que ele diz que faz.
Seu comportamento não combina bem com as suas palavras. No comando das equipes é outra história. Luxemburgo é um excepcional treinador.
Estou sem paciência com a incompetência e falta de transparência de muitos dirigentes.
A escassez de dinheiro é justificativa para todos os problemas dos clubes.
Estou sem paciência com tantas patotas nos clubes, federações, CBF, na crônica esportiva, nos governos e em todos os lugares. Há pequenas e grandes patotas, que representam quase o pensamento único. As pessoas de uma turma só escolhem, citam e elogiam os que fazem parte ou têm algum vinculo com a mesma turma. O Brasil é o país das patotas.
Já a principal virtude da sociedade americana (alguns dizem que é a única) é o fascínio pela competência, independentemente de raça, religião, naturalidade e da patota.
Estou sem paciência com as coisas que escrevo. Preciso repensar o meu trabalho. Repito demais palavras e conceitos. Pelo menos, posso escrever o que desejo. Se trabalhasse na televisão, teria de comentar muitas coisas inúteis, redundantes e já ditas mil vezes por outros comentaristas.
Estou sem paciência com tantas coisas, porém gostei muito de outras, principalmente da atuação dos grandes craques. Houve também partidas belíssimas e surgiram alguns promissores jogadores e treinadores. Há alguns bons dirigentes e clubes se preparando para o futuro. Existem muitos brilhantes e sérios jornalistas esportivos. Melhorou também o calendário brasileiro, não há mais viradas de mesa, jogos às terças, quintas e domingos nem coincidência de datas dos jogos da seleção e dos clubes e foi mantida a fórmula por pontos corridos, a única justa.
Vou tirar férias. Talvez sinta saudade de tudo que me incomoda hoje ou, pelo menos, consiga suportar melhor quando voltar. Preciso desfrutar com mais intensidade de outros prazeres, como ir ao cinema e ao teatro, ler, conversar sobre outros assuntos, conviver mais com a natureza, com os cantos dos pássaros, com a minha cachorra e fiel companheira Lambreca e, principalmente, ficar mais perto das pessoas queridas.
Espero que os leitores aproveitem bem as férias do futebol e que tenham mais paciência no próximo ano com atletas, técnicos, dirigentes, com a crônica esportiva e com esse colunista. Até breve.

E-mail tostao.folha@uol.com.br


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