São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2011

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MINHA HISTÓRIA ARIADNA CAPIRO, 28

Exílio voluntário

Melhor jogadora da Liga Feminina de Basquete, cubana do Santo André joga final hoje, diz temer retornar a seu país e pede apoio aos que trocaram a ilha por uma carreira profissional

DANIEL BRITO
DE SÃO PAULO

RESUMO - Apesar de ser cestinha da Liga de Basquete Feminino, que termina hoje, a cubana Ariadna Capiro (pronuncia-se Ariana) ouve piadas por ser homônima de transexual ex-participante de reality show. Mas em Cuba é famosa por ser filha de Armando Capiro, um dos maiores jogadores de beisebol da ilha. No Brasil há cinco anos, ela não defende Cuba porque deixou o país que investiu em sua carreira desde os 11 anos.

O nome do meu pai me perseguia em Cuba. Para todo mundo, Ariadna é a filha do Armando Capiro.
Isso me ajudou um pouco, porque acho que herdei o talento, deve estar no sangue.
Minha mãe queria que eu tocasse piano ou dançasse balé. Na escola, eu já tinha o espírito de competição.
Meu pai teve a carreira curta no beisebol, por causa de lesões. Minha mãe que me fez enxergar mais longe.
Ela sempre me conta que meu pai foi aos EUA em um campeonato e foi eleito o melhor jogador do torneio.
Ele até apontava para onde mandaria a bola. No jogo contra os Estados Unidos, Cuba perdia por um ponto, quando meu pai apontou em que lugar rebateria a bola.
O lançador não acreditou, mas meu pai jogou a bola para fora do estádio. Aí ele ficou famoso, colocaram um cheque em branco na mesa e falaram: "Quanto você quer para jogar aqui nos EUA?".
Por amor à pátria, por agradecimento ao governo cubano, ele rejeitou. Ganhou medalha de honra por isso.
Tirou foto com Fidel depois.
Por ter sido um herói, ganhou uma casa e um Lada.

FIDEL
Conheci Fidel em 2003, quando fomos campeãs do Pan. Ele gosta de quem volta depois da competição. Sempre diz: "O maior prêmio que se pode trazer para Cuba é voltar". Saí de olho no lado financeiro, e não no político.

FUNDAMENTOS
Quando pequena, praticava handebol, vôlei, basquete no colégio. Eles faziam teste de velocidade, impulsão e avaliavam seu talento.
Saí da casa dos meus pais aos 11 anos para o centro de treinamento em Havana, onde ficava de segunda a sábado treinando das 15h às 18h.
Aos 15 anos, fui para a seleção juvenil em outro centro de treinamento, no qual permaneci até os 18 anos.
Lá, também estudava de manhã e treinava à tarde. Uma hora de físico, depois fundamento, por último o coletivo. Físico e fundamentos são as prioridades. Quando eu era pequena, falava: "Que chato". Hoje, agradeço.
Era um centro de treinamento nacional juvenil de todos os esportes. Conheci lá o boxeador Guillermo Rigondeaux e o Dairon Robles, do atletismo. Já se sabe que, quem está ali, em pouco tempo será visto com medalhas.
No centro para adultos, onde cheguei aos 18 anos, eram oito horas diárias de exercícios. Estudava duas vezes por semana, mas treinava de madrugada nesses dias. Só folgava domingo. Eles sabem que essa carga faz mal, mas, quando surge um atleta, o usam enquanto podem.
Depois de quatro anos, vem outro, aí aquele primeiro fica no anonimato. Tem muitos campeões olímpicos assim. Félix Sávon, do boxe, seria milionário em qualquer país, mas em Cuba ninguém se lembra mais dele.

BRASIL
Em 2005, decidi deixar a seleção. Fiquei o ano todo parada. Surgiu o convite para jogar o campeonato universitário, na França.
Em Cuba, disseram que eu tinha talento e que tudo que investiram em mim eu daria para outro país. Expliquei que era uma decisão econômica. Não fizeram nada, a não ser enrolar por um ano. Fui para a França.
Me senti sozinha e deprimida, e não deu certo.
Mas a Lisdeivi, cubana que joga no Brasil, me disse que aqui eu jogaria, e as pessoas são carinhosas, a comida é boa. Cheguei em 2006.
Nesse ano, houve um Mundial em São Paulo. Eu e a Lisdeivi tentamos conversar com as cubanas no ginásio. Elas faziam sinal de que não falariam com a gente.
Os treinadores diziam para as meninas não nos cumprimentarem. No hotel, a gente armou com um segurança, entramos pela garagem e nos encontramos lá em cima.
Como saí do país e decidi me profissionalizar, não posso mais jogar pela seleção.

SEM VOLTA
Se eu voltar hoje para Cuba, eles podem falar lá: "Você não sai mais. Sua residência é aqui". Tenho que ficar mais dois anos no Brasil para conseguir o visto de residente e trocar com o de trabalho, que é o que tenho hoje.
Minha família mudou-se e não sei nem chegar à casa da minha mãe. Não volto a Cuba desde 2006.
As meninas saem de férias aqui e dizem: "Vou para minha casa". Fico triste porque não posso dizer o mesmo.
Minha mãe vive das remessas de dinheiro que mando para lá. Todo mês, 40% do meu salário vai para Cuba.

DESERÇÕES
Quando um cubano chega ao ponto de fugir do país, é porque está contra a parede, alguma coisa o força a sair.
Lamentei muito quando o Erislandy Lara e Guillermo Rigondeaux tiveram que voltar para Cuba, mas finalmente conseguiram ir para os EUA e são profissionais milionários atualmente. Sempre apoio os cubanos que buscam um futuro melhor, porque querem liberdade.


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