São Paulo, terça-feira, 27 de março de 2007

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SONINHA

Jogo duro, coração mole

Perder faz parte do jogo, mas às vezes a derrota vai muito além do esporte, como fica evidente neste período

N ESSA ÉPOCA do ano, o futebol me corta o coração. Na abertura da temporada, os times pequenos apresentam suas armas para os campeonatos estaduais, cheios de esperança -verdadeira ou fingida. O dirigente pode ter mesmo planos grandiosos, enquanto o técnico sabe que, com aquele grupo, se não cair para a segunda divisão, está ótimo. Um jogador pode estar feliz da vida por ter conseguido um emprego, ao menos pelos próximos três meses; ele sabe que está no fim da carreira e que ser ""estrela" em uma equipe do interior é o máximo que pode almejar. Não acredita ser a salvação de ninguém; conhece seus limites e os dos colegas.
Outro sinceramente se imagina como destaque do campeonato, cobiçado por duas ou três equipes da capital. Ninguém começa o ano querendo ou prevendo dar vexame, mesmo que tenha visão super realista e pretensões modestas. Dali a algumas semanas, vêm os fracassos retumbantes, técnicos demitidos, projetos ""de longo prazo" abortados, jogadores ridicularizados. O coqueiro não parece alto a ponto de seu tombo sair na capa do jornal, mas isso é para quem vê de longe. Para quem esperava construir carreira, o fiasco no Paulista (ou Mineiro, Paraense, Paranaense, Baiano...) é um tombo altíssimo; pode ser o fim de um projeto de vida.
Para quem tem mulher e filho e se vê à beira do desemprego, a entrevista otimista no começo do ano parece uma carta para o Papai Noel; uma ilusão boba que o tempo se encarregou de destruir. A Copa do Brasil produz histórias ainda mais tristes; a falta de alternativas e a ânsia por uma oportunidade são maiores para quem vem de mais longe. Quando um time do Mato Grosso, Sergipe, Paraíba ou qualquer outro lugar distante do ""centro" é eliminado de cara, sem ao menos fazer a viagem inesquecível para o Rio ou São Paulo, eu fico arrasada.
O time grande elimina a chateação do jogo de volta, onde seria o franco favorito; o pequeno perde a chance de mais 90 minutos na TV, nos quais poderia ganhar uma grana para pagar as contas, expor seus jogadores e assegurar que um ou dois, pelo menos, continuem no mercado, negociados com times maiores. Nem isso é garantido (os jogadores do Pirambu tiveram a glória de jogar no Pacaembu, que talvez não valha nada além de uma boa lembrança, e o técnico já foi demitido -depois de uma derrota por 3 a 2 no Campeonato Sergipano...).
Na ocasião das grandes finais e semifinais, as frustrações recebem bastante destaque, vemos e revemos imagens de jogadores deitados no chão ainda no campo de jogo, arrasados com um gol perdido ou sofrido; a expressão do goleiro desesperado, vendo a bola passar longe de suas braços; e torcedores desalentados, cabeça enterrada nas mãos. Crônicas emocionadas são escritas sobre os vice-campeões, sobre as grandes expectativas e sua espetacular derrocada. Mas os fracassos dos que não chegam aos mata-matas decisivos não são notícia...
Esporte competitivo é cruel por natureza; a felicidade de um (ou de um grupo) se dará às custas da tristeza de muitos outros. Centímetros ou décimos de segundo podem destruir um trabalho de meses. Perder faz parte do jogo. Nem todo mundo tem sorte e talento; em todo lugar do planeta, poucos serão os campeões. Mas aqui a derrota é pior.
Na maioria dos casos, aquele que não conseguiu ser jogador de futebol terá pouquíssimas chances de se realizar em outra profissão... Será porteiro, segurança, pedreiro, camelô, ou apenas um desempregado a mais, penando para sobreviver. Porque fora do futebol as chances também são mínimas de que alguém ""de baixo" chegue à primeira divisão.

soninha.folha@uol.com.br


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