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SONINHA
Jogo duro, coração mole
Perder faz parte do jogo, mas às vezes a derrota vai muito além do esporte, como fica evidente neste período
N
ESSA ÉPOCA do ano, o futebol
me corta o coração.
Na abertura da temporada, os times pequenos apresentam
suas armas para os campeonatos estaduais, cheios de esperança -verdadeira ou fingida. O dirigente pode
ter mesmo planos grandiosos, enquanto o técnico sabe que, com
aquele grupo, se não cair para a segunda divisão, está ótimo.
Um jogador pode estar feliz da vida por ter conseguido um emprego,
ao menos pelos próximos três meses; ele sabe que está no fim da carreira e que ser ""estrela" em uma
equipe do interior é o máximo que
pode almejar. Não acredita ser a salvação de ninguém; conhece seus limites e os dos colegas.
Outro sinceramente se imagina
como destaque do campeonato, cobiçado por duas ou três equipes da
capital. Ninguém começa o ano querendo ou prevendo dar vexame,
mesmo que tenha visão super realista e pretensões modestas.
Dali a algumas semanas, vêm os
fracassos retumbantes, técnicos demitidos, projetos ""de longo prazo"
abortados, jogadores ridicularizados. O coqueiro não parece alto a
ponto de seu tombo sair na capa do
jornal, mas isso é para quem vê de
longe. Para quem esperava construir carreira, o fiasco no Paulista
(ou Mineiro, Paraense, Paranaense,
Baiano...) é um tombo altíssimo; pode ser o fim de um projeto de vida.
Para quem tem mulher e filho e se
vê à beira do desemprego, a entrevista otimista no começo do ano parece uma carta para o Papai Noel;
uma ilusão boba que o tempo se encarregou de destruir.
A Copa do Brasil produz histórias
ainda mais tristes; a falta de alternativas e a ânsia por uma oportunidade são maiores para quem vem de
mais longe. Quando um time do Mato Grosso, Sergipe, Paraíba ou qualquer outro lugar distante do ""centro" é eliminado de cara, sem ao menos fazer a viagem inesquecível para
o Rio ou São Paulo, eu fico arrasada.
O time grande elimina a chateação
do jogo de volta, onde seria o franco
favorito; o pequeno perde a chance
de mais 90 minutos na TV, nos quais
poderia ganhar uma grana para pagar as contas, expor seus jogadores e
assegurar que um ou dois, pelo menos, continuem no mercado, negociados com times maiores.
Nem isso é garantido (os jogadores do Pirambu tiveram a glória de
jogar no Pacaembu, que talvez não
valha nada além de uma boa lembrança, e o técnico já foi demitido
-depois de uma derrota por 3 a 2 no
Campeonato Sergipano...).
Na ocasião das grandes finais e semifinais, as frustrações recebem
bastante destaque, vemos e revemos
imagens de jogadores deitados no
chão ainda no campo de jogo, arrasados com um gol perdido ou sofrido; a expressão do goleiro desesperado, vendo a bola passar longe de
suas braços; e torcedores desalentados, cabeça enterrada nas mãos.
Crônicas emocionadas são escritas sobre os vice-campeões, sobre as
grandes expectativas e sua espetacular derrocada. Mas os fracassos
dos que não chegam aos mata-matas
decisivos não são notícia...
Esporte competitivo é cruel por
natureza; a felicidade de um (ou de
um grupo) se dará às custas da tristeza de muitos outros. Centímetros
ou décimos de segundo podem destruir um trabalho de meses.
Perder faz parte do jogo.
Nem todo mundo tem sorte e talento; em todo lugar do planeta,
poucos serão os campeões. Mas aqui
a derrota é pior.
Na maioria dos casos, aquele que
não conseguiu ser jogador de futebol
terá pouquíssimas chances de se
realizar em outra profissão... Será
porteiro, segurança, pedreiro, camelô, ou apenas um desempregado a
mais, penando para sobreviver. Porque fora do futebol as chances também são mínimas de que alguém ""de
baixo" chegue à primeira divisão.
soninha.folha@uol.com.br
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