São Paulo, sexta-feira, 27 de maio de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

ENTREVISTA BERNARDINHO

Tenho sentido mais alívio que prazer com as conquistas

TÉCNICO DA SELEÇÃO MASCULINA, QUE INICIA HOJE BUSCA PELO DECACAMPEONATO DA LIGA MUNDIAL, DIZ ASSOCIAR TÍTULOS COM SENSAÇÃO DE VAZIO

Marlene Bergamo/Folhapress
O treinador em entrevista no CT do vôlei, em Saquarema (RJ)

MARIANA BASTOS
ENVIADA ESPECIAL A SAQUAREMA

Bernardinho, 51, diz não gostar de ser medido por vitórias e derrotas. Confessa até ter recorrido à terapia para aprender a lidar com isso. Mas o fato é que, após uma década à frente da seleção masculina, são justamente os números que o colocam entre os maiores técnicos da história do esporte mundial.
Em dez anos, sua equipe soma 27 títulos e um incrível aproveitamento de 90% .
Em entrevista à Folha, Bernardinho revela que sentiu mais alívio que prazer após conquistar seus últimos títulos. "A condição que nós criamos não nos concede o direito de ser prata em nada."
Sua motivação para continuar no vôlei reside no cotidiano de treinos. E, foi isso que, segundo ele, levou-o a recusar um convite para ser técnico de futebol em 2010.
Um desafio que não descarta para o futuro. "Poderia ser um manager, assim como os técnicos da Inglaterra."
Na entrevista, Bernardinho ainda critica a falta de legado deixada pelo Pan e faz alerta sobre estouro de gastos na Copa e na Olimpíada.

 


Folha - Por que você não se emocionou tanto após as últimas conquistas da seleção?
Bernardinho -
Desde 2009, tenho sentido mais alívio do que felicidade com as conquistas. Atingimos um nível que não nos concede o direito de ser prata em nada. Além disso, tendo a relacionar a conquista com uma sensação de vazio, porque no dia seguinte não tem mais ninguém. Cada um vai para o seu canto. Meu prazer está no cotidiano, no silêncio da quadra em dias de treino.

Tendo em vista a experiência do Pan-2007, você acha que o Brasil tem condições de sediar a Copa e a Olimpíada?
A organização do Pan do Rio foi impecável se comparada a dos Pans anteriores. Mas, como uma pessoa do esporte e carioca, digo que o legado foi certamente um ponto negativo. Passamos no vestibular da Olimpíada em termos de organização, mas na matéria legado fomos reprovados. Isso tem que ser bem trabalhado para que na Copa e Olimpíada o investimento elevado não se traduza em pouco retorno social.

O que você acha do estouro de gasto em grandes eventos?
Fico irritado. O problemas é que nós, brasileiros, somos perdulários. Ou somos incompetentes para lidar com orçamento ou é outra coisa que não posso julgar. Se eu gasto mais que o orçamento do meu time [o Rio de Janeiro] permite, vou ser punido. Mas isso não ocorre no país, não só no esporte, como em outras áreas. O problema é que ninguém assume a responsabilidade por estouros.

Você pensa em trabalhar com futebol algum dia?
No ano passado, fui sondado por um grande clube. Acho que eu teria condições de atuar na comissão técnica de qualquer esporte. Mas, se for no futebol, não quero ser o treinador. Poderia ser um manager, assim como os técnicos na Inglaterra, e me cercar de pessoas competentes. O problema é que o futebol não é ainda um espaço meritocrático. Se meu time tem um jogador indisciplinado, mas que vale muito, eu tenho que escalar porque se não vou dilapidar o patrimônio do meu time, da empresa. No vôlei, não é assim. Você se destaca pelo que produz.

Por que você não aceitou?
Acho que ainda posso fazer muito pela seleção.

Quem você admira?
Não admiro ninguém 100%. Mas, no futebol, gosto do Muricy [Ramalho, técnico do Santos], por ser autêntico, trabalhador. Sempre admirei o Felipão [Luiz Felipe Scolari, do Palmeiras]. O José Mourinho [do Real Madrid], por ser inteligente, pragmático. Ele tem uma questão de cientificidade que é interessante, embora tenha a arrogância, mas é o jeito do cara. O Guardiola [do Barcelona] é espetacular não só por conduzir uma equipe que vence muito, mas também convence.

Você faz terapia?
Eventualmente. Não tem a ver com minha paranoia, mas com a preparação para a frente. Trabalhar para dentro me ajudou a buscar equilíbrio. Não quero ser medido por vitórias e derrotas, mas às vezes isso ocorre. E o bom terapeuta te mostra o caminho para encarar isso serenamente. Os livros também me ajudam. Tem um pensamento do John Wooden [técnico do basquete universitário] que eu gosto: "Sucesso é a sensação de bem-estar proveniente da consciência de que você fez o melhor".

Algum vez você sentiu que seu time era imbatível?
Nunca. Em certos momentos, havia a sensação de que ninguém ia ganhar deles. Às vezes, os adversários até estavam ganhando e começavam a ter dúvida se podiam nos vencer. Nessa dúvida, nós íamos lá e ganhávamos. Essa reação não tem nada a ver comigo. São os caras.

O que você projeta para Londres-2012 e Rio-2016?
Não penso ainda em 2016 porque os campeonatos importantes no caminho me impedem de ter essa imagem. Com relação a Londres, há um certo sentimento de redenção em relação à derrota na final dos Jogos de Pequim, em 2008. Os rapazes falam isso às vezes, mas, para mim, é um fechamento de um ciclo, um ponto a mais da trajetória. Tudo é importante, mas nada é definitivo. O ouro olímpico de 2004, por exemplo, não foi definitivo. E talvez a prata de 2008 tenha vindo para nos trazer de novo uma dimensão humana, porque ninguém é imbatível.

FOLHA.com

Leia também comentários de Bernardinho sobre homossexualidade no vôlei e a polêmica no Mundial de 2010
folha.com.br/es921375


Texto Anterior: Outro lado: Construtora abre mão de item de exclusividade
Próximo Texto: Liga Mundial: Ao contrário dos rivais, Brasil recorre a veteranos
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.