São Paulo, quinta-feira, 27 de junho de 2002

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TURISTA OCIDENTAL

Umbigos e véus


Barrigas à mostra das brasileiras contrastam com o recato das torcedoras turcas no Japão


MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A SAITAMA

A temperatura variou de 15 a 20 graus Celsius durante o dia, o tempo esteve sempre fechado, choveu algumas vezes, mas centenas de brasileiras foram de umbigo à mostra assistir à classificação do time de Luiz Felipe Scolari para a final da Copa do Mundo.
Os modelitos exíguos extasiaram cinegrafistas e fotógrafos fora e dentro do estádio de Saitama, região de Tóquio, onde a Turquia foi batida por 1 a 0.
Em contraste com a sem-cerimônia das brasileiras, as poucas torcedoras turcas -em comparação com o número de homens compatriotas seus- vestiram-se com o recato de cidadãs da primeira nação muçulmana a pôr uma seleção entre as quatro primeiras de um Mundial.
Com o corpo quase todo encoberto por suas roupas, muitas usavam véus cobrindo os cabelos. Desde a chegada, demonstraram mais empolgação ao apoiar o seu time que as rivais brasileiras.
""Sei que muita gente pensa que, por virmos de um país muçulmano, não somos animadas", disse a engenheira Ulkuhan Elkinciel, 24, com uma camiseta branca sobre o vestido que se estendia até os pés. ""Na Turquia não é proibido aproveitar a vida e ser feliz."
Indagada sobre as brasileiras, Ulkuhan respondeu: ""Há limites. Esse não é mesmo o nosso estilo". Antes do jogo, ela e uma amiga de véu na cabeça entoavam cânticos futebolísticos.
""O islamismo gosta de celebrar, de muita festa", disse o empresário turco que animava uma brincadeira de roda, Gengis Ertem, 42, apelido ""Gengiskan".
As brasileiras chamavam a atenção pela escassez da indumentária, justamente no dia mais frio das seis partidas da seleção.
""Frio? Não estou sentindo", disse a estudante Natali Akamy, 15. ""Moro aqui e estou acostumada." Ela foi à partida trajando uma miniblusa. Estava com a irmã, Karina Igashira, 20, de top. O pai e a mãe as acompanharam. Tudo em família.
Como a operária Vanessa Suzuki, 21, funcionária de uma fábrica de peças de computador. Natural de Umuarama (PR), ela mora perto de Tóquio. Foi a Saitama com a barriga de seis meses de gravidez pintada com a bandeira do ""Brazil", como o nome do país foi grafado.
Na medida em que o jogo avançou, com a temperatura caindo na noite de primavera -a partida começou às 20h30, horário local-, algumas espectadoras que estavam de umbigo de fora, mas de calças compridas jeans, radicalizaram: tiraram as calças.
De shortinhos azuis, esforçaram-se para proporcionar os melhores ângulos das nádegas para os fotógrafos. Eram duas loiras que antes de entrar no estádio posaram com torcedores japoneses exibindo as barrigas -uma delas com um piercing dentro e um acima do umbigo. Outras expunham os seios parcialmente desnudos, desencobrindo-os progressivamente conforme mais câmaras as miravam.
As loiras são brasileiras. Nos últimos dias circularam no hotel Rafre, onde os jogadores da seleção se hospedaram em Saitama. No mesmo hotel estava ontem a garota de programa paulista Yumi, que exerce a profissão em Kobe e Osaka (Japão).
Diversas vezes nos últimos anos órgãos do governo do Brasil lançaram campanhas para combater a imagem do país como paraíso do turismo sexual. Cenas como as de ontem reforçam o estereótipo.
No Rafre, desde de manhã cambistas brasileiros venderam ingressos para a partida. Bilhetes da categoria 3, comprados pelo equivalente a R$ 490, saíam por R$ 1.157, ágio de 136%. Os da categoria 2, de R$ 840, eram vendidos pelo dobro, R$ 1.680.
Havia vários cambistas. Os mais ativos eram um homem com a camisa do Botafogo e uma mulher que contavam ser radicados no Japão e terceirizados por um ""empresário maior". Ao redor do estádio, o ingresso de R$ 840 custava R$ 1.388. Um homem que se identificou como iugoslavo pedia US$ 1.000 por um bilhete que custou menos de um terço.
Desesperados costumam topar preços pornográficos. Na partida contra a Inglaterra, em Shizuoka, o paulista Makoto de Mello, 24, pagou US$ 1.000, com a mesma diferença que o iugoslavo tentava ontem embolsar.
O mais incrível é que, com tanta gente querendo ver os jogos, cadeiras continuam sobrando. Ontem foram 2.642 das 63.700 disponíveis. Os organizadores japoneses culpam a Fifa e uma empresa contratada pela entidade pela bagunça na distribuição. Numa semifinal de Copa do Mundo, o estádio não lotou.


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