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TONI NEGRI
O futebol se antecipa à globalização
O mundo tornou-se um só.
Não há mais forasteiros,
estranhos ou coisas externas neste mundo. A globalização das relações econômicas anda no mesmo passo que a globalização das relações sociais. Hoje, o
mundo se restringe às ligações financeiras que vão de indivíduo
para indivíduo, saltando as fronteiras nacionais.
Os contratos não vêm mais com
a chancela do Estado, mas com
carimbos de advogados que constituem elos da "lex mercatoria".
Agora, não se vira mais cidadão do mundo: você já nasce sendo um. As platéias de espectadores e torcedores estão globalizadas. Eu, um italiano, não torci
pela Itália nesta Copa, virei um
seguidor apaixonado do Senegal.
Por um lado, o Mundial de futebol é, nessa perspectiva, um
anacronismo singular. Nele, as
nações guerreiam ainda, uma
contra a outra. Certo, é um jogo, é
uma experiência lúdica que não
comporta declarações de guerra:
batem de frente países, e não diferentes imperialismos.
Na verdade, tudo isso é uma ficção. Não existem mais nações,
com as relações sociais, econômicas e financeiras se desenvolvendo em escala universal, onde as
identidades se esvanecem e valem muito pouco no meio de tanto intercâmbio. A Copa se apresenta como uma ficcional permanência das nações, e o nosso orgulho nacional é artificialmente
reavivado.
Neste planeta sem confins não
vale a pena se divertir com essas
nações-fetiches. O fato é que o futebol não havia previsto a realidade da globalização. Mas a antecipou. É por isso que o futebol é
uma chave para interpretar o
"espírito do mundo". O futebol já
havia começado a circulação de
mão-de-obra (ou pé-de-obra) de
um país a outro, já tornava híbridos os torneios locais e contaminava as torcidas futebolísticas.
Na Europa, as grandes nações
européias são todas híbridas: a
seleção italiana bicampeã nos
anos 30 estava cheia de argentinos, os franceses vencedores de
1998 eram quase todos estrangeiros. Isso demonstra como o futebol se antecipa à realidade.
A força de trabalho futebolística se move com toda a liberdade
e chegou a todos os rincões primeiro que a globalização. Hoje,
observando os torneios locais, se
percebe como está avançado esse
processo.
Foi divertido (digo ironicamente, afinal, tratou-se na verdade de
uma afirmação indecente) ouvir
recentemente um nacionalista
francês exclamar, diante da multicolorida seleção de seu país, que
para conquistar a vitória era preciso uma equipe só de brancos...
Pobre idiota!
A mistura é irreversível. É uma
exigência do mundo. E, além disso, essa lógica não diz respeito só
a equipes de futebol. Ela serve como condição para nossa existência, para nós, seres cosmopolitas...
E, depois, existe um efeito profundamente positivo. Essa lógica
acaba com a possibilidade de
usar uma herança de cor ou de
raça como arma para a exploração ou a exclusão. O campeonato
mundial de futebol é útil por isso.
Não porque exalta as nações,
mas porque mistura as raças, as
cores, as paixões. Em suma, mostra as condições elementares da
liberdade.
Toni Negri, 69, filósofo italiano,
é autor de "Império", entre outros
Tradução de Rodrigo Bertolotto
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