São Paulo, sexta-feira, 27 de agosto de 2004

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Santo Grael

Herbert Knosowski/Associated Press
Torben Grael em ação


Torben conquista o segundo ouro do Brasil, torna-se o maior medalhista do país e escreve seu nome na história da vela e da Olimpíada

ADALBERTO LEISTER FILHO
GUILHERME ROSEGUINI
ENVIADOS ESPECIAIS A ATENAS

Um forte abraço no parceiro após a regata decisiva e alguns sorrisos esporádicos. Nada que desvie do padrão com que o sempre circunspecto Torben Grael comemora suas vitórias na vela.
Mas o triunfo de ontem, logrado na baía de Agios Kosmas, em Atenas, colocou o velejador paulista, radicado em Niterói, em um pedestal nunca antes ocupado por um atleta do país.
Ao lado de Marcelo Ferreira, ele conquistou o ouro na classe star com uma regata de antecipação.
É a quinta medalha olímpica que pendura no peito, a segunda de ouro. Nenhum outro praticante da modalidade construiu uma carreira tão premiada.
O recorde no número de pódios pertencia ao dinamarquês Paul Elvström, que subiu quatro vezes ao lugar mais alto, entre 1948 e 1960 -as provas de vela começaram nos Jogos de Paris-1900.
Aos 44 anos, Torben se torna o primeiro atleta brasileiro a ganhar status de herói olímpico.
Outros bicampeões nacionais que deixou para trás, como o colega Robert Scheidt e o triplista Adhemar Ferreira da Silva, não chegaram ao mesmo patamar no cenário internacional.
"A Olimpíada tem um gosto especial para mim. Ganhar uma disputa dessas é muito difícil. Nós contamos com a sorte", conta.
Na verdade, não só com isso. Torben e Marcelo, juntos em competições desde 1989, investiram na criação de um barco diferenciado e conseguiram uma consistência invejável no torneio.
Nas dez regatas que disputaram no mar grego, ficaram fora do grupo das nove melhores embarcações apenas uma vez -justamente na primeira etapa de ontem, quando terminaram em 11º. Na seqüência, uma quarta colocação assegurou o título.
"Sabíamos que a regularidade definiria o campeão em um torneio desses", diz Torben.
Desde 1976, ele coleciona títulos nacionais e continentais em quase todas as classes da vela.
Nos Jogos, concentrou-se em dois barcos. Com o soling, foi prata em Los Angeles-1984. No star levou o bronze em Seul-1988 (com Nelson Falcão como parceiro) e Sydney-2000. O outro ouro apareceu em Atlanta-1996.
Esse é outro fato que abrilhanta ainda mais o seu recorde. A star é a embarcação mais técnica da Olimpíada, a que reúne a nata dos atletas da modalidade.
"É para onde os campeões de outras categorias costumam rumar quando se julgam experientes. Não é exagero dizer que se trata de um ninho de cobras", explica Lars Grael, coordenador técnico da seleção em Atenas.
O currículo recheado deu credencial para Torben se aventurar nos torneios de vela oceânica.
Ele já participou da America's Cup como tático do veleiro italiano Prada. A prova é disputada em embarcações com mais de 15 m de comprimento e considerada a mais complexa do gênero.
Próximo desafio: encarar uma volta ao mundo na Volvo's Ocean Race, com uma equipe brasileira. "Mas antes temos um Brasileiro da star pela frente, agora em setembro. Nem vai dar tempo de comemorar muito esse ouro olímpico", conta Torben.
O ouro de ontem também despachou o nadador Gustavo Borges e o isolou no posto de maior medalhista olímpico do Brasil.
Serviu também para ratificar a vela como esporte mais premiado do Brasil em Olimpíadas -a modalidade já rendeu 14 pódios.
Curiosidade: Torben tem como ídolo o próprio Elvström, "por ser um homem que sempre andou à frente do seu tempo".
A Folha contatou o ex-velejador dinarmaquês anteontem. Educadamente, informou que não gostaria de aparecer. "Eu tenho evitado me expor nos últimos anos. Por isso peço que entenda o fato de eu não conceder a entrevista".
Aos 76 anos, ele sai de cena e abre espaços para novos ídolos. Torben Schmidt Grael, brasileiro, mostrou em Atenas que o trono vai ficar em boas mãos.


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