São Paulo, sexta-feira, 27 de agosto de 2004

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A pequena família

Entre Dinamarca e Niterói, Brasil encontra parceria bicampeã

DOS ENVIADOS A ATENAS

Enredo um: o avô dinamarquês leva o garoto de cinco anos para velejar em uma embarcação que ganhou medalha nos Jogos de 1912. Entre causos e histórias sobre o mar, ensina a trilhar o caminho seguido por toda a família.
Enredo dois: o moleque de 12 anos aceita meio a contragosto o convite de um colega para passear de barco. Gosta da brincadeira e promete tentar de novo.
As histórias são quase opostas. Os personagens também. Mas ambos um dia se cruzaram em Niterói, no Rio. Da reunião, nasceu a parceria mais longeva e premiada do esporte brasileiro.
Torben Schmidt Grael e Marcelo Ferreira dizem que se conhecem há tanto tempo que a memória já apagou o primeiro encontro. Apenas o início da dupla na classe star, coroada ontem com a terceira medalha olímpica, segue fresco nas recordações. "Eu velejava com o Nelson Falcão na classe star em 88. Um dia, ele não pôde me acompanhar em um torneio. Chamei o Marcelo, e fizemos testes. Dali em diante, passamos a competir juntos", explica Torben.
Sua entrada no mundo da vela era inevitável. Prebben, o avô que migrou da Dinamarca para o Brasil, ensinou aos descendentes o gosto pela modalidade. A relíquia da família era o Ailen, barco da extinta classe 6 m, usado por três de seus conterrâneos na conquista da prata em Estocolmo-1912.
Quando criança, Torben passeava nele com os tios Axel e Eric, outros que também puderam colocar a palavra olímpico no currículo -competiram na Cidade do México-1968 e em Munique-1972. "Eles eram muito técnicos. Sabiam tudo de mar, de vento e de equipamento. Tive uma ótima escola desde cedo", diz Torben.
De lá para cá, o garoto virou homem sério, sisudo, que quase nunca revela suas emoções. E que também virou campeão, o maior da prole. Ontem, a quinta medalha olímpica ratificou o apelido de "Turbina", que ganhou pela forma como conduz barcos no mar.
Um importante ingrediente, contudo, às vezes fica de fora quando a carreira do velejador é passada a limpo. Com a palavra, quem mais o conhece: "Poucos sabem o verdadeiro valor do Marcelo. O Torben sempre precisou de um cara mais extrovertido para balancear a dupla. Os méritos das conquistas são divididos", diz Andréia, mulher do recordista.
A situação é curiosa. Ferreira, 38, tem dois ouros (além de Atenas, venceu em Atlanta-96) e um bronze, da última edição dos Jogos. Mas é sempre eclipsado pelo parceiro. "O importante é que viemos resgatar o ouro que deixamos cair no mar. Sei que internacionalmente sou mais reconhecido do que no Brasil. Não ligo."
Ele sempre foi uma exceção na vela brasileira. A começar pelo sobrenome. No meio de tantos descendentes de europeus -Lars Bjorskstrom, Peter Ficker e Robert Scheidt, para citar três exemplos de medalhistas olímpicos-, Playboy, como é conhecido, define-se como "100% Niterói".
Falante e brincalhão, é considerado pelos companheiros de classe como o melhor no que faz.
Ele é o proeiro, o mais pesado da dupla -tem 106 kg-, e tem a função de dar ao barco a direção indicada pelo timoneiro. No caso, o rumo sugerido por Torben.
Que eles brigam no mar, ninguém duvida. Mas o saldo dos temperamentos e trajetórias de vida opostas é positivo.
"Não chamem de casamento, por favor, porque pega mal. Mas que nossa dupla dá certo, isso dá", brinca Ferreira. (ADALBERTO LEISTER FILHO E GUILHERME ROSEGUINI)


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