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A pequena família
Entre Dinamarca e Niterói, Brasil encontra parceria bicampeã
DOS ENVIADOS A ATENAS
Enredo um: o avô dinamarquês
leva o garoto de cinco anos para
velejar em uma embarcação que
ganhou medalha nos Jogos de
1912. Entre causos e histórias sobre o mar, ensina a trilhar o caminho seguido por toda a família.
Enredo dois: o moleque de 12
anos aceita meio a contragosto o
convite de um colega para passear
de barco. Gosta da brincadeira e
promete tentar de novo.
As histórias são quase opostas.
Os personagens também. Mas
ambos um dia se cruzaram em
Niterói, no Rio. Da reunião, nasceu a parceria mais longeva e premiada do esporte brasileiro.
Torben Schmidt Grael e Marcelo Ferreira dizem que se conhecem há tanto tempo que a memória já apagou o primeiro encontro. Apenas o início da dupla na
classe star, coroada ontem com a
terceira medalha olímpica, segue
fresco nas recordações. "Eu velejava com o Nelson Falcão na classe star em 88. Um dia, ele não pôde me acompanhar em um torneio. Chamei o Marcelo, e fizemos testes. Dali em diante, passamos a competir juntos", explica
Torben.
Sua entrada no mundo da vela
era inevitável. Prebben, o avô que
migrou da Dinamarca para o Brasil, ensinou aos descendentes o
gosto pela modalidade. A relíquia
da família era o Ailen, barco da
extinta classe 6 m, usado por três
de seus conterrâneos na conquista da prata em Estocolmo-1912.
Quando criança, Torben passeava nele com os tios Axel e Eric,
outros que também puderam colocar a palavra olímpico no currículo -competiram na Cidade do
México-1968 e em Munique-1972.
"Eles eram muito técnicos. Sabiam tudo de mar, de vento e de
equipamento. Tive uma ótima escola desde cedo", diz Torben.
De lá para cá, o garoto virou homem sério, sisudo, que quase
nunca revela suas emoções. E que
também virou campeão, o maior
da prole. Ontem, a quinta medalha olímpica ratificou o apelido de
"Turbina", que ganhou pela forma como conduz barcos no mar.
Um importante ingrediente,
contudo, às vezes fica de fora
quando a carreira do velejador é
passada a limpo. Com a palavra,
quem mais o conhece: "Poucos
sabem o verdadeiro valor do Marcelo. O Torben sempre precisou
de um cara mais extrovertido para balancear a dupla. Os méritos
das conquistas são divididos", diz
Andréia, mulher do recordista.
A situação é curiosa. Ferreira,
38, tem dois ouros (além de Atenas, venceu em Atlanta-96) e um
bronze, da última edição dos Jogos. Mas é sempre eclipsado pelo
parceiro. "O importante é que viemos resgatar o ouro que deixamos cair no mar. Sei que internacionalmente sou mais reconhecido do que no Brasil. Não ligo."
Ele sempre foi uma exceção na
vela brasileira. A começar pelo sobrenome. No meio de tantos descendentes de europeus -Lars
Bjorskstrom, Peter Ficker e Robert Scheidt, para citar três exemplos de medalhistas olímpicos-,
Playboy, como é conhecido, define-se como "100% Niterói".
Falante e brincalhão, é considerado pelos companheiros de classe como o melhor no que faz.
Ele é o proeiro, o mais pesado
da dupla -tem 106 kg-, e tem a
função de dar ao barco a direção
indicada pelo timoneiro. No caso,
o rumo sugerido por Torben.
Que eles brigam no mar, ninguém duvida. Mas o saldo dos
temperamentos e trajetórias de
vida opostas é positivo.
"Não chamem de casamento,
por favor, porque pega mal. Mas
que nossa dupla dá certo, isso dá",
brinca Ferreira.
(ADALBERTO LEISTER FILHO E GUILHERME ROSEGUINI)
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