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FUTEBOL
A cara do Brasil
MÁRIO MAGALHÃES
COLUNISTA DA FOLHA
O Brasil seria muito melhor
se tivesse a cara da seleção
feminina de futebol que ontem
conquistou a prata. A seleção tem
a cara do Brasil. O Brasil não tem
a cara dela. A seleção tem a cara
do Brasil na pobreza atávica das
suas jogadoras. Falta ao Brasil a
cara da seleção porque o país não
descobriu que fracasso não é destino que não se dribla e desgraça
nunca será vocação irremediável.
A medalha inédita, apesar da
dor do título escapado dos pés de
quem jogou muito mais, tem a
cor da vitória e da virada de
quem veio do quase nada. As norte-americanas escaparam porque
a trave segurou duas bolas e as
brasileiras foram garfadas num
pênalti.
Quando o técnico Renê Simões
anunciou o Projeto Alquimia
Olímpica, muitas atletas nunca
tinham sido apresentadas a um
ginecologista.
Elaine só levantara R$ 90 para
pagar a taxa de passaporte por
graça da generosidade do dono
de uma funerária. Das 18 garotas,
16 peitaram parentes e amigos
para impor a vontade de jogar.
Laços familiares se dilaceraram.
São histórias contadas pelo repórter Jorge Luiz Rodrigues.
O repórter Fábio Seixas contabilizou: dois terços estão sem emprego. Algumas abandonaram o
ganha-pão na Europa para arriscar o sonho olímpico. Muitas toparam um tratamento para não
menstruar nos Jogos e fugir da
maldita TPM, como escreveu o
repórter Sérgio Rangel. Boa parte,
cinco meses atrás, escancarava
gordurinhas de sobra e resistência
de menos.
O repórter Helvídio Mattos visitou a casa de madeira de Maycon. Mostrou como a goleira Maravilha treina, solitária, com ajuda de um parente. A adolescente
Kelly é filha de empregada doméstica. O futebol feminino foi a
única modalidade brasileira em
Atenas que não recebeu verba de
incentivo fiscal. O time, na maioria, é de amadoras. Trocou os tapas do passado pelas mãos dadas
nos gramados gregos.
Os cabelos loiros e os sobrenomes nórdicos dos nossos admiráveis iatistas são raros entre as futebolistas. A maioria é negra e
mulata como Pelé e Ronaldinho.
Bimba, quarto na Mistral, bancou as despesas de 20 competidores para morar com ele em Búzios
e treinar no mar. As gurias, castigadas pelo desamparo também
no futebol, só esqueceram o desamor próprio quando Simões bolou um plano de acarinhamento.
O que me importa se a Olimpíada consolidou a impressão de que
o futebol das mulheres está a
anos-luz do alto rendimento que
se vê no dos homens? Que, para
superar o tédio habitual da modalidade, será preciso reinventá-la? Diminuir o peso da bola, o
tempo de jogo, as dimensões do
campo...
Poderia ser bolinha de gude, o
que fosse. Calhou de ser o futebol,
a alma do Brasil. Para nossas jogadoras, o ouro está logo ali à
frente. A grande história de Cristiane, Marta, Formiga, Pretinha,
Juliana e companheiras há de
embalar o país que talvez tenha,
um dia, a cara do triunfo. E não
só no esporte.
Cor
O branco do Corinthians ficará
mais branco? Depende de como lavar a camisa.
Caso de polícia
Com os milhões de dólares que
entraram no Flamengo na última década, é um escândalo o
clube não ter um centro de treinamento. A ida para o CT do
ex-zagueiro Oscar, por falta de
um próprio, sintetiza a tragédia
rubro-negra.
Cultura inútil
O Flamengo tem um goleiro
chamado Getúlio Vargas. O
Fluminense, Fernando Henrique. Vanderlei é Luxemburgo
por causa da revolucionária
alemã Rosa. A irmã do técnico
se chama Anita Leocádia, homenagem à filha de Olga Benário e Luiz Carlos Prestes.
E-mail
mario.magalhaes@uol.com.br
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