São Paulo, segunda-feira, 27 de setembro de 2004

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ATLETISMO

Maratonista quer viajar à Colômbia para retomar seus treinamentos

Após rotina de celebridade, Vanderlei pede dias de paz

GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL

O bebê ainda não completou um ano e parece assustado no meio de tanta balbúrdia.
A mãe nem liga. Sorrateira, chega com o filho bem próximo ao atleta olímpico mais badalado do Brasil no momento e dispara: "Pega ele no colo, por favor, que eu preciso fazer uma foto".
Vanderlei Cordeiro de Lima, 35, aceita o pedido sem titubear, segura a criança com cuidado e sorri quando o flash pipoca.
A cena aconteceu ontem, em São Paulo, na primeira apresentação do maratonista após o bronze obtido em Atenas -ele percorreu 5 km em uma corrida de revezamento, na Cidade Universitária.
O ato representa, com exatidão, como o atleta encarou a transformação de anônimo em herói nacional desde o dia 29 de agosto, quando superou o ataque do irlandês Cornelius Horan para chegar ao pódio na Olimpíada.
De cerimônias no Palácio da Alvorada à inauguração de farmácias no interior do Paraná, Vanderlei recebeu os mais inusitados convites de sua carreira nesse período. E negou pouquíssimos.
"Tento fazer tudo o que me pedem. Eu juro que nada disso me incomoda", conta o atleta.
Mesmo assim, sabe que a festa precisa ter fim. Ontem, ao ter a real dimensão de seu impacto com o público, concluiu que deve deixar o país para retornar ao cotidiano dos treinos solitários.
"Eu nunca fui tão aplaudido assim", diz, sobre a prova que reuniu mais de 30 mil competidores -a última São Silvestre reuniu cerca de 15 mil- e foi vencida, na categoria para oito atletas, pelo time principal do Pão de Açucar/ BM&F. "Mas agora é hora de treinar. No início de outubro, quero estar na Colômbia."
Ele se refere ao paraíso turístico de Paipa, localizado a 2.600 m de altitude. Foi lá traçou seus planos para os Jogos na Grécia. Agora, o refúgio pode render-lhe a paz que ainda não achou no Brasil.
"Você acredita que ainda não consegui relaxar no meu sítio em Cruzeiro do Oeste [cidade paranaense onde nasceu, em 1969]?"
Ontem, pelo menos, ele pôde usar shorts, camiseta e tênis, vestimentas de competição que já acumulavam poeira no guarda-roupa. Antes, o traje de todas as ocasiões era o terno, usado desde o desfile de 7 de Setembro até a conversa tête-à-tête com o primeiro-ministro japonês em Brasília. "Tinha um bom estoque de roupas sociais. Não comprei nada."
Vanderlei exibiu outras facetas na vida de celebridade. Na última quinta, por exemplo, deu palestra para comerciantes em São Paulo.
Falou de planejamento. Disse que "a estratégia é tão importante na maratona como no dia-a-dia dos varejistas". Ganhou aplausos.
Depois, precisou explicar se ainda sente raiva do ex-padre irlandês ("Não guardo mágoa") e se quer encontrar Polyvios Kossivas, o grego que o ajudou na Olimpíada ("Pretendo agradecê-lo").
Quando desceu do palco, começaram os pedidos. Um senhor de camisa e calça preta segurou-o pelo braço. Carregava um celular. "Vanderlei, é a minha mulher. Fala com ela, por favor." Ele falou.
Antes de desaparecer do mapa para encarar a próxima maratona, no início de 2005, ele relata o episódio mais extraordinário dos dias em que virou celebridade.
Após os Jogos, seu treinador, Ricardo D'Angelo, tomou um táxi em Campinas para ir do aeroporto para casa. Quando descobriu que se tratava do técnico de Vanderlei, o motorista ligou para o pai, companheiro de profissão, para tirar um sarro: "Você nem imagina quem está ao meu lado".
Duas semanas depois, na mesma cidade, Ricardo desembarcou ao lado de Vanderlei. Entraram em um Pointer. O comandante do veículo abriu um sorriso ao vê-los. "Vocês pegaram um táxi aqui há alguns dias, não pegaram?" Na mesma hora, telefonou para o filho e devolveu a gozação.
No destino final, cobrou a corrida. Mas deu um belo desconto.


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