São Paulo, sábado, 27 de novembro de 2010

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JOSÉ GERALDO COUTO

Cruzeiro, Vila Cruzeiro


A guerra civil no Rio faz pensar no papel do futebol e no que acontecerá em 2014 e em 2016

COMO FALAR de futebol diante das imagens do Rio de Janeiro conflagrado? O que significa um gol, ou um ponto na tabela de classificação, diante dos mortos, dos tiros, do sangue, do fogo e do pânico?
Os fatos são atuais, mas a questão é antiga. Em 1949, o filósofo alemão Theodor Adorno lançava a pergunta: "É possível escrever poesia depois de Auschwitz?". Em outras palavras, como se pode cantar quando sabemos que existe o mais absoluto horror?
Em termos éticos ou filosóficos, a questão daria pano para muitas mangas. Sejamos modestos. Para começar, encaremos a coisa do ponto de vista prático.
A violência das ruas cariocas já invadiu a esfera do esporte. O medo de uma desgraça ocasionou o adiamento da final do torneio estadual feminino de vôlei, que seria disputada domingo, na Tijuca. No futebol, o Cruzeiro pediu proteção policial durante sua estada no Rio para o jogo de amanhã contra o Flamengo.
É inevitável pensar no que acontecerá na cidade daqui a quatro anos, na Copa do Mundo, e daqui a seis, nos Jogos Olímpicos. Será que até lá o poder público terá desenvolvido uma política de segurança mais eficaz do que esse enxugamento de gelo que consiste em expulsar bandidos de uma favela para vê-los tomar em seguida a favela vizinha?
Será que as ditas autoridades celebrarão um pacto com os chefes do tráfico por uma trégua durante os eventos? A que preço? O que oferecerão em troca?
Temos motivos para ficar apreensivos. Se o problema da segurança for tratado com a mesma leviandade e falta de planejamento com que vem sendo conduzida a questão da construção dos estádios da Copa, estamos fritos.
Mas esta é uma coluna de futebol, e todo o empenho dela ao longo destes anos tem sido, de um modo ou de outro, o de mostrar que esse esporte outrora bretão, hoje universal, não aliena nem embrutece o homem, mas pode, pelo contrário, ajudar a humanizá-lo, a educá-lo para a vida em sociedade. Além, claro, de produzir prazer, que é também uma forma de enriquecimento pessoal e coletivo.
Agora acho que podemos voltar à pergunta de Adorno, respondendo-a com os versos de uma canção escrita no auge da nossa ditadura militar por Carlos Lyra e Vinícius de Moraes: "E no entanto é preciso cantar,/ mais que nunca é preciso cantar,/ é preciso cantar e alegrar a cidade". Jogar futebol é uma maneira de cantar.

jgcouto@uol.com.br


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