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FUTEBOL
História de torcedor
TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA
F alamos muito de jogadores, técnicos e até de dirigentes, mas nos esquecemos dos torcedores. Sem um grande público, não há bom espetáculo. Nada mais tedioso e frustrante do
que jogar num estádio vazio.
Em vez de atrair os torcedores
com carinho, segurança e conforto, os dirigentes brasileiros
tentam desprezá-los.
Como disse um torcedor, após
os incidentes na decisão da Copa São Paulo, a Federação Paulista, antes de colocar moças bonitas para dançar, deveria cuidar da segurança e do conforto
do espetáculo.
Há torcedores de todos os tipos: participativos, solitários,
extrovertidos, tímidos, violentos, dóceis, entendidos, palpiteiros ... A maior parte possui várias dessas características. Todos têm, em comum, a paixão
por seus clubes e/ou pelo futebol.
Os torcedores participativos,
ou sociais, geralmente são extrovertidos. Vão para o estádio
com bandeiras e camisas de seus
times. Torcem, brincam, dançam e cantam com o grupo.
Gostam da vitória e dos gols.
O restante é detalhe. Para eles,
o futebol representa uma catarse e uma grande alegria.
Os torcedores solitários geralmente são tímidos e entendidos.
Uns roem as unhas, olham para
o relógio e rezam. Sofrem mais
que os participativos.
Outros não falam, mas prestam atenção em todos os detalhes do jogo. Conhecem tudo de
futebol. Gostariam de ter um celular para passar suas opiniões
ao técnico.
Assim como nós comentaristas, têm sempre uma fórmula
mágica de mudar o jogo.
A maioria dos torcedores é dócil e responsável.
Os violentos são poucos, mas
perigosos. A presença de um
chefe agressivo numa torcida
organizada contagia os outros.
Os violentos sentem-se protegidos pelo chefe e pelo grupo.
Não se consideram responsáveis
por seus atos. O responsável é o
grupo. Os instintos agressivos liberam-se e propagam-se rapidamente. Uma tragédia.
E os marretinhas? Reclamam
até da vitória de sua equipe. Para eles, todos os jogadores são
pernas-de-pau.
Às vezes parecem com os palpiteiros, que ficam atrás do túnel xingando o técnico e pedindo substituições.
Há ainda os ""amigos íntimos"
dos jogadores. "Vai Peixe (Romário), amanhã nos encontramos na praia!." "Guilherme,
não foi isso o que combinamos!"
Os outros torcedores ficam curiosos e não tiram o olho do
companheiro.
Jogadores com a mesma qualidade técnica não são tratados
pelos torcedores da mesma maneira. Eles elegem seus xodós,
amparados em outras razões
misteriosas e desconhecidas.
Os sentimentos são transmitidos de torcedor para torcedor.
Sem palavras. É a comunicação
analógica, inconsciente e intuitiva. Parece até que ensaiaram
a vaia ou o aplauso.
Os craques e os raçudos são os
mais aplaudidos.
Os raçudos não precisam
atuar bem. A maior parte dos
torcedores sabe diferenciar o
verdadeiro raçudo do enganador, que corre atrás da bola perdida, abre os braços para dizer
que a culpa não é dele, beija o
escudo do clube, jura amor eterno e diz que, desde criancinha,
torce para seu novo clube.
Há dois anos, assisti a uma
partida na arquibancada de um
estádio italiano.
Lá, os torcedores gritam,
aplaudem, vaiam e xingam como os brasileiros. Nem as queridas ""mamas" são poupadas.
Na minha infância, eu adorava ir ao estádio com meu pai.
Ele não perdia nem os bate-bolas do América.
No domingo (naquele tempo o
jogo principal era nesse dia), íamos cedo.
A festa começava no ônibus.
Cantávamos e gritávamos os
nomes de nossos clubes e ídolos.
Havia discussões, mas raramente brigas.
No estádio Independência,
gostava de assistir as partidas de
pé, na parte mais baixa da arquibancada, uns cinco metros
acima do gramado, protegido
por uma barra de ferro.
Dali, podia ver de perto a face
cansada dos jogadores (nem todos), o suor pelo corpo, a alegria
de se fazer um gol e a tristeza de
perdê-lo. O futebol tornava-se
mais humano.
Numa decisão do Campeonato Mineiro entre Siderúrgica e
América, Noventa, craque do
Siderúrgica, caiu, gritando de
dor, bem perto de mim.
Depois de vê-lo ser examinado, escutei o repórter falar: ""Noventa fraturou o braço e será
substituído".
Nesse tempo não havia patrocinador para completar a frase.
Quando Noventa caminhava
em direção ao vestiário, chorando de dor e tristeza, apareceu o
truculento técnico Yustrich e
deu a ordem: ""Ele não vai sair,
doutor. Coloque uma tipóia no
braço, que ele vai voltar para o
campo".
Ouvi tudo.
O médico e o jogador obedeceram a ordem do técnico.
Noventa voltou e fez o gol da
vitória.
Retornei à minha casa triste
com a derrota do América, mas
ao mesmo tempo alegre.
Testemunhei o grande assunto da semana.
Ficou na história.
Os repórteres deveriam ter me
entrevistado.
Para mim, Noventa tornou-se
um herói.
E-mail - tostao.folha@uol.com.br
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