São Paulo, quarta-feira, 28 de janeiro de 2004

Texto Anterior | Índice

FUTEBOL

O fracasso ensina

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Nas derrotas, desde a época em que jogava, detesto as críticas simplificadas e geralmente injustas de que faltou raça e que o time jogou de "salto alto". O que mais faltou contra o Paraguai foi técnica e tática. Mas foi evidente a apatia dos atletas num momento tão importante. Ou seria cansaço por causa dos jogos seguidos e da falta de férias após a longa temporada de 2003?
Desconfio que o Brasil começou a perder o jogo na excessiva comemoração após a vitória sobre o Chile e no comportamento no dia seguinte. Mais que um desabafo por ganhar com um a menos, os jogadores acharam que o time já estava classificado.
Os atletas desprezaram o Paraguai, uma seleção sem um único jogador famoso, que tinha perdido para o Brasil por 3 a 0 na primeira fase e que não atuava em casa. Há ainda um preconceito dos brasileiros que não acreditam na qualidade das coisas que são feitas no Paraguai. Esse sentimento pode se transferir para o esporte. A imprensa e a torcida brasileira, me incluindo, também achavam que seria fácil.
Criticar agora os jovens pelas brincadeiras fora de campo durante o Pré-Olímpico é bobagem. Querem castrar o bom humor dos garotos. Eles fizeram tudo o que os outros atletas fazem, em todas as épocas. Ao condenar as brincadeiras, acho que o Zagallo se referia à falta de concentração e à apatia do último jogo.
Mas tive a impressão ou intuição antes do Pré-Olímpico de que Robinho e Diego se comportavam fora de campo, diante das câmeras da televisão e nas entrevistas, como craques consagrados e experientes, que iriam reforçar um time de garotos.
Por causa desse fracasso, não se pode dizer que a maioria desses garotos não é excelente e que não terá ótimo futuro. Alguns vão brilhar na seleção principal. Todos os atletas e qualquer profissional já tiveram péssimos momentos em suas carreiras. Na Copa de 66, o Brasil teve uma atuação péssima e apática e foi eliminado na primeira fase. Desejei nunca mais ser atleta. Ainda bem que mudei de opinião.
Todos esses jovens terão de melhorar. Diego corre demais com a bola, cava faltas, cai e faz muito teatro. Craque joga em pé. Já falei isso várias vezes.
Prometo também que essa é a última vez que falo do posicionamento do Robinho. Como Robinho não tem características de armador e a posição de ponta-esquerda não existe na prancheta dos técnicos, decidiram que ele é atacante. Ele não deveria atuar em nenhuma dessas posições, mas nas três. Para aproveitar sua leveza e velocidade, Robinho deveria iniciar as jogadas mais de trás, aparecer na frente, principalmente pela ponta esquerda, onde pode driblar para os dois lados, passar ou finalizar.
Em qualquer equipe, são os jogadores, e não o técnico, os principais responsáveis pelas vitórias e derrotas. Há exceções. Algumas vezes, o técnico é o craque do jogo. Outras, ele é importante na derrota. Todos os jogadores e Ricardo Gomes são igualmente responsáveis pelo fracasso no Chile.
Desde a primeira partida, Ricardo Gomes foi muito confuso. Do meio-campo para a frente, experimentou todos os desenhos táticos e não acertou. Contra o Paraguai, retirou o centroavante e colocou um zagueiro improvisado na lateral direita, sem habilidade e conhecimento da posição.
Era óbvio que o Paraguai iria recuar após o gol, que a seleção brasileira pressionaria, que muitas bolas cruzariam a área e que seria importante boas jogadas pelas laterais e a presença de um centroavante. Foi assim que a Argentina virou contra o Paraguai.
Ricardo Gomes é um técnico sério e estudioso, que parece entender bastante de esquemas táticos, mas não soube usá-los no momento certo. Ele me lembra um grande professor de medicina que sabia todos os detalhes de todas as doenças, mas era confuso diante do doente. Ele entendia muito de doença, e não de doente.
Ricardo Gomes passou a impressão de que sabe muito de futebol, mas pouco do jogo. Talvez tenha sido só um momento ruim, como ocorre com todos os atletas e com qualquer profissional.
Espero que o jovem técnico e os jovens jogadores aprendam muito com essa derrota e se tornem excepcionais profissionais. Já citei essa frase outras vezes, mas como ela é sábia e bela, não resisti em repeti-la. Prometo que será a última vez. "Perder é uma forma de aprender. E ganhar, uma forma de esquecer o que se aprendeu" (Carlos Drummond de Andrade).

E-mail tostao.folha@uol.com.br


Texto Anterior: Tênis - Régis Andaku: Alguma novidade?
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.