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São Paulo, sexta-feira, 28 de março de 2003

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FUTEBOL

Vox populi, vox dei

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Esperta leitora, experto leitor, eu vos pergunto: torcida ganha jogo?
Creio que os céticos diriam que não.
E talvez argumentassem assim: "Por mais que se deseje, uma torcida não atua de modo tão decisivo a ponto de mudar o resultado de uma partida. Por mais que grite, ela não acerta o posicionamento do time; por mais que assopre, não empurra a bola para dentro do gol; por mais que reclame, não faz substituições; e por mais que xingue, não consegue anular o gol do adversário".
Mas isso diriam os incréus.
Os fiéis, os crentes, os românticos, estes diriam algo mais ou menos assim: "Sim, a torcida pode mudar o resultado de uma partida. Cantando ela consegue transmitir ânimo aos seus jogadores, que dessa forma correm ainda mais; reclamando ela consegue que o técnico substitua jogadores ruins; e, se ela grita contra as injustiças, o juiz vacila na hora de marcar o pênalti suspeito".
Eu, confesso, fico com o segundo grupo. E, na verdade, creio que as torcidas podem fazer até mais do que isso.
Por exemplo:
A torcida do Fluminense foi quem manteve viva a força e a tradição tricolor no momento de martírio dos rebaixamentos para a segunda e terceira divisões do Campeonato Brasileiro. Lotando estádios, além de empurrar o time às vitórias, ela foi uma pioneira na valorização do torneio da Série B.
É fato que a história não terminou como deveria, mas não por culpa da galera tricolor, e sim porque os cartolas entraram na história e escreveram seu último capítulo de maneira decepcionante.
Como de hábito, aliás.
Outra boa novidade aconteceu no caso da re-re-re-re-reeleição de Mustafá Contursi. O cartola palmeirense conseguiu outro mandato, é verdade, mas foi uma vitória de gosto amargo, obtida sob vaias e protestos de uma parte da torcida que preferia o candidato de oposição. Ficou o bom exemplo de mobilização e a certeza de que, no futuro, a pressão será ainda maior.
Mas o exemplo mais recente, e eficiente, foi o dado pelos adeptos do Atlético-MG. Depois do golpe da CBF e da Confederação Sul-Americana, que sorrateiramente queriam excluir o Galo da competição, ela arregaçou as mangas e mostrou que uma torcida pode fazer muito mais do gritar e agitar bandeiras.
Numa ação rápida e digna das melhores táticas de guerrilha, os atleticanos cobraram posicionamento das autoridades e da imprensa, promovendo uma tempestade de mensagens eletrônicas que congestionou os terminais dessas confederações. O bombardeio foi tão intenso que os dirigentes tiveram de voltar atrás.
Seja inspirando a reação do time, seja lutando para serem ouvidos nas eleições, seja organizando um boicote contra uma decisão injusta, os torcedores dos tempos atuais estão descobrindo uma realidade: a torcida não existe só para encher as arquibancadas.

Torcida mundial
As torcidas são tão poderosas que podem até parar uma guerra, como foi o caso da Guerra do Vietnã. Aliás, os torcedores pela paz já estão agitando suas bandeiras de novo. E de várias formas: realizando manifestações, escrevendo artigos, organizando protestos, compondo músicas, mandando e-mails e até fazendo um boicote aos produtos dos países que estão fazendo esta guerra. Ou seja, em vez dos filmes hollywoodianos, os europeus e latino-americanos; em vez de chá inglês, indiano; em vez de Marlboro, Gitanes; em vez de Esso, Petrobras, em vez de Nike, Adidas; em vez de Kodak, Fuji; em vez de Ford, Renault; em vez de Disney World, o circo Vostok; em vez de Coca-Cola, Tubaína; em vez de McDonald's, só por ironia, Habib's.

E-mail torero@uol.com.br


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