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ATENAS 2004
Marla Runyan, dos EUA, tenta ser a primeira campeã entre deficientes a subir no pódio também nos Jogos
Cega persegue feito inédito na Olimpíada
GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL
Gargalhada geral na sala de aula.
Marla Runyan engasga, tenta seguidas vezes, mas não consegue
soletrar em voz alta as palavras escritas no quadro-negro.
Com os destroços da dignidade
que lhe restaram, foi para casa e
contou o fato para sua mãe. Acabou nas mãos de um oftalmologista, em busca de explicações para o incidente. E encontrou.
A garota de nove anos sofria de
uma doença degenerativa da visão. Ficaria praticamente cega nos
anos seguintes. Não havia cura.
O vaticínio se cumpriu. Hoje,
aos 35 anos, Runyan tem apenas
5% de visão. Nada que a impeça,
porém, de tentar um feito inédito
nos Jogos de Atenas, em agosto.
Se chegar ao pódio na Grécia
nas provas de atletismo, ela vai se
tornar a primeira competidora a
conseguir medalha na Olimpíada
após triunfar na Paraolimpíada.
Marla foi ouro em Barcelona-1992
e Atlanta-1996 nos eventos destinados a deficientes visuais.
"A visão sempre criou obstáculos para mim. Mas um dia percebi
que, treinando muito, eu poderia
competir com os melhores. Sei
que posso chegar à Grécia com
chances de medalha", conta a corredora norte-americana à Folha.
O currículo mostra que a afirmação não é pretensiosa. Desde
1998, quando decidiu se arriscar
nos principais torneios da modalidade, Runyan colecionou títulos
e resultados expressivos.
Em 1999, por exemplo, triunfou
no Pan de Winnipeg nos 5.000 m.
Nos EUA, mantém há três anos
hegemonia nesse evento.
Seus resultados a credenciaram
para defender o país na Olimpíada de Sydney-2000. Runyan chegou à final nos 1.500 m e concluiu
sua participação no oitavo posto.
"Na época, provei para mim
mesma que a minha deficiência
não me impedia de ser competitiva. Ganhei confiança", diz ela.
A partir dali, deu início à melhor
fase de sua carreira. Suas mais
proeminentes performances foram obtidas após os Jogos na Austrália -15min05s48 nos 5.000 m,
cravados no ano passado, e
4min05s27 nos 1.500 m, registrados no final de 2001.
Runyan sofre do mal de Stargardt, doença que corrompe a
parte central da retina. Uma mancha escura ocupa o centro da visão. Só há alguma nitidez nas partes periféricas do campo ocular.
Seus primeiros passos no atletismo, aos 14 anos, produziram
cenas tão constrangedoras quanto aquela que viveu ao não reconhecer as letras na lousa em uma
escola de Santa Maria (Califórnia), cidade onde nasceu.
"Em provas longas, como os
5.000 m, eu ficava totalmente sem
orientação. Uma vez, estava tão
perdida que mudei completamente de rumo e passei a correr
na direção oposta à das minhas rivais. Foi horrível", relata.
A degeneração da visão prosseguiu. Quando atingiu um estágio
avançado -ela é considerada legalmente cega-, passou a correr
com a ajuda de um guia.
Na época, deu início à sua coleção de títulos nas competições para deficientes. Em duas Paraolimpíadas, arrematou quatro ouros.
Runyan decidiu se aventurar no
campo dos atletas olímpicos em
1998. Ao lado do treinador Margo
Jennings, elaborou uma técnica
para participar dos 1.500 m e dos
5.000 m. "Percebi que só faria
uma corrida perfeita se arranjasse
locais ou marcas para me orientar
na pista. O tanque de areia da prova de saltos, por exemplo, estaria
sempre na mesma posição do estádio, assim como o mastro onde
as bandeiras são hasteadas."
Aos poucos, Runyan foi lapidando sua habilidade. Hoje, até
espectadores nas arquibancadas
servem como referência.
"Antes de correr, procuro encontrar na platéia pessoas obesas
ou com roupas de cores gritantes.
Elas são uma ótima base para
marcar a minha direção."
Se realmente competir em Atenas -precisa confirmar seu lugar
na seletiva dos EUA, em julho-,
ela prevê uma dificuldade extra.
Motivo: o Estádio Olímpico, palco
das competições de atletismo.
Segundo a atleta, construções
muito abrangentes criam entraves para sua técnica de orientação. Na Austrália, a praça que
abrigou as corridas tinha capacidade para 113 mil pessoas. Em
Atenas, há espaço para 55 mil.
"Prefiro não pensar nesses problemas. Quem estiver melhor no
momento da disputa vai levar a
medalha. É simples", explica ela.
O que almejar, então, para que
não ocorram falhas no instante
decisivo da luta pela medalha?
"Um pouquinho de sorte. Isso
sempre ajuda", brinca Runyan.
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