São Paulo, terça-feira, 28 de maio de 2002

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BRASIL

No hotel Hyundai, equipe de Scolari "divide" concentração com o público

Com treinador linha-dura, Brasil fica mais acessível

FÁBIO VICTOR
FERNANDO MELLO
JOSÉ ALBERTO BOMBIG
SÉRGIO RANGEL
ENVIADOS ESPECIAIS A ULSAN

Paradoxos do futebol. Com Luiz Felipe Scolari, o seu treinador mais linha-dura dos últimos anos, a seleção brasileira tem, em Ulsan, na Coréia do Sul, a concentração mais permissiva da história recente das Copas do Mundo.
O isolamento de hotéis grandiosos e exclusivos, uma constante em Mundiais recentes, não passa de lembrança perto do que se vê no hotel Hyundai, o quartel-general da seleção de Scolari.
O termo militar é até exagerado para definir os dois andares reservados à delegação brasileira na cidade coreana. Os outros oito pisos do hotel estão ocupados normalmente, por executivos, jornalistas e turistas futebolísticos.
Na Copa de 98, na França, a equipe de Zagallo ficou confinada num castelo em Lésigny, nos arredores de Paris, o Chateau de Grand Romaine. Ninguém além da delegação brasileira tinha acesso ao local. O mesmo ocorreu nas concentrações de 94 (Los Gatos, EUA) e de 90 (Asti, Itália).
No hotel Hyundai Ulsan, os jogadores são minoria. Ocupam apenas 56 dos 284 quartos do estabelecimento e transitam entre curiosos nos poucos momentos em que não estão no seu microcosmo -o 11º e o 12º andares.
Ontem, no segundo dia da seleção no local, os sinais da concentração aberta já eram visíveis.
Logo após o treino vespertino do Brasil, uma bola esbarrou em várias canelas no saguão do hotel, mas não era uma das tantas da delegação. Pertencia ao iugoslavo Dragoje Bjelica, 30, que, de passagem por Ulsan, acompanhado de seu amigo croata Gorah Vukic, 28, fazia plantão em busca de autógrafos no objeto de couro.
O advogado sueco Anders Luckander, 37, hóspede do hotel, também tirou sua lasquinha. Conseguiu apertar a mão de Cafu, que não foi muito receptivo. "Eu entendo. Ele deve ter que fazer isso o tempo todo, não é fácil ser sempre simpático."
Apaixonado por futebol, o sueco tomou um susto ao descobrir que a seleção estava em seu hotel. "Fiquei surpreso. Achava que eles ficariam em um resort fechado. É estranho para eles, mas para um hóspede como eu é ótimo."

Mal-estar
Os jogadores já começam a achar esquisita a experiência no hotel Hyundai. Por volta das 21h30 de ontem (horário coreano), Ronaldo desceu ao lobby para dar uma volta. Olhou para os dois lados e só viu curiosos e jornalistas, todos mobilizados com sua presença. Tardou um minuto e pegou o elevador de volta à sua "torre" no 12º -cujo corredor é vigiado por um segurança, assim como o do 11º.
"O problema [para os jogadores" é o que fazer quando não está comendo ou dormindo. Num hotel fechado, ele circula livremente e mantém a privacidade, o que não ocorre aqui", afirma Américo Faria, administrador da seleção.
Faria diz que a decisão de "dividir" o time brasileiro com o público já havia sido tomada pela CBF quando ele reassumiu o cargo, em março, e que só tratou de adaptar o grupo à nova realidade.
A escolha por Ulsan foi feita de última hora pela entidade. Havia a opção de ficar em Seogwipo, mas as facilidades em relação a treinos e locomoção eram maiores na cidade industrial, que ainda bancou (após pressão da CBF) os pedidos feitos pelos brasileiros.
Quando tudo ficou acertado, não havia mais hotel que pudesse ser "fechado" para a seleção.
Além da impaciência dos atletas pelo espaço reduzido, outro problema será a maior dificuldade em preservar segredos internos. Episódios cruciais da história da seleção -como a crise nervosa de Ronaldo em 98- estão até hoje turvados pela "caixa-preta" que são as concentrações fechadas.
Não significa, porém, que a simples circulação de atletas ao lado de hóspedes e jornalistas criará a convivência festiva e quase libertina de 82. Rigoroso quando o tema é disciplina, Scolari já disse que preferia que os atletas não fizessem sexo durante a Copa e impôs uma cartilha que fixa até horários para falar ao celular.
Ciente dos contratempos que pode ter, ontem o técnico defendeu a opção ("Não vejo por que eu ficar no quarto, alienado de tudo, sem bater papo com um amigo") e fez um pedido à imprensa: "Que a gente conviva normalmente, para evitar problema".



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