São Paulo, sábado, 28 de julho de 2007

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JOSÉ GERALDO COUTO

Meninas de ouro


A vitória espetacular da seleção feminina celebra a união de duas paixões do brasileiro: mulher e futebol


AO IMPRIMIR seus pés na calçada da fama do Maracanã, anteontem, a craque Marta poderia ter parafraseado o astronauta Neil Armstrong: "Um pequeno passo para uma mulher, um grande passo para a mulherada".
Confesso que resisti por muito tempo ao futebol feminino. Não que o considerasse ilegítimo. Simplesmente não via nele beleza e emoção. Os jogos eram duros de ver: campo e bola pareciam grandes demais para as jogadoras desajeitadas, indecisas entre mostrar uma força quase viril e defender sua feminilidade.
Mas isso mudou. Na Olimpíada de Atenas, a seleção feminina brasileira me conquistou. Como eu, imagino que muitos outros aficionados do futebol deram o braço a torcer.
Os problemas das primeiras praticantes não eram estruturais, imutáveis, decorrentes da condição feminina. Refletiam falta de treino, tradição e referências. Os primeiros jogos de futebol de marmanjos, no século 19, deviam dar calo na vista de tão feios. À medida que mais meninas, moças e mulheres passaram a jogar futebol, a treinar (com homens ou sem eles), a ver jogos profissionais, foi-se formando um caldo de cultura futebolística entre elas, e o resultado está nos campos. Foi o que se viu na tarde esplendorosa de anteontem.
Ainda é algo incipiente. Mesmo na euforia da conquista do ouro, a goleira Andréia manteve os pés no chão: "Os clubes de camisa precisam montar departamentos de futebol feminino". Ainda falta quase tudo. Vejam só: ao escrever "goleira" o corretor ortográfico do "Word" me avisou que tal termo não existia e sugeriu trocá-lo por "goleiro" ou "goteira". Ou seja: novidade leva um tempo para ser incorporada aos costumes, à cultura e à própria língua.
Para que o futebol feminino seja cada vez mais belo e encante grandes platéias não só em momentos como a final de anteontem, guerreiras como Marta, Andréia, Daniela, Cristiane e Maicon ainda verterão muito sangue, suor e lágrimas. Muitas meninas brigarão no colégio para jogar futebol na educação física, ou na rua, para ter um lugar no time dos meninos. Muitas moças e mulheres batalharão pela profissionalização nos clubes e nas federações.
Andréia tem razão. Mas um espetáculo lindo como o de quinta não pode deixar de ser um impulso forte de mudança e de crescimento. A platéia que lotou o Maracanã não esquecerá aquele momento mágico.
Quanto a mim, virei já há algum tempo um propagandista do futebol feminino. Aos que teimam em resistir ao avanço das moças, repetindo que "futebol é para homem", faço uma pergunta e um apelo.
Quais são as duas coisas mais interessantes da vida, quero dizer, da vida de um homem? Responderão (talvez invertendo a ordem): mulher e futebol. O futebol é "a mais importante das coisas sem importância" e a mulher, bem, a mulher, por mais que nos desconcerte e nos faça sofrer, "é o melhor sexo oposto que o homem já conheceu", como diz um primo meu de Jaú. Ora, por que não unir o agradável ao agradável?
O futebol feminino não disputa espaço com o masculino, não o ameaça. Será -já está sendo- algo diferente, uma nova e peculiar modulação de uma arte centenária, uma manifestação a mais de beleza no mundo. Quem se opõe?

jgcouto@uol.com.br


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