São Paulo, sexta, 29 de janeiro de 1999

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VÔLEI
Com a carreira manchada por uso de maconha e cocaína, atleta da Unincor (MG) quer ser antiexemplo aos jovens
Bocão recupera dentes e dignidade

Otávio Dias de Oliveira/Folha Imagem
Wagner Rocha, o Bocão, da Unincor, ex-viciado em drogas e no quarto recomeço de sua carreira, posa após treino


JOSÉ ALAN DIAS
da Reportagem Local

Companheiro de geração de estrelas como Tande e Giovane, aos 30 anos, completados há seis dias,o atacante Wágner Antonio da Rocha, o Bocão, recomeça pela quarta vez uma carreira manchada pelo envolvimento com drogas.
"O maior problema não é a parte técnica, jogar. É o rótulo (de viciado). Meu caso é tão conhecido que até o antidoping no vôlei veio por causa de mim", diz.
Na verdade, o controle de doping só foi implantado no Brasil na última temporada.
Bocão relata que, em meio a períodos de abstinência, usou cocaína por quase dez anos.
"Comecei com maconha, lança-perfume. Tinha 16, 17 anos. Passei para cocaína com 18. Aí, com a morte de meus pais, em 90, não conseguia jogar vôlei. Fiquei um ano parado, só "zoando'. Voltei ao esporte, mas sempre tinha problemas", conta ele.
Desde 1º de novembro, Bocão -apelido ganho por gritar muito em brigas ainda na infância- atua como atleta da Unincor, de Três Corações (MG). Conseguiu a vaga (a princípio em troca de moradia e alimentação) depois de cinco meses desempregado.
"Faz um ano e meio que larguei tudo (o vício ). Já atrapalhei muito minha vida", diz o jogador, casado e pai de uma filha de dois anos .
Para a equipe mineira, na qual divide apartamento com quatro juvenis, Bocão agora serve como exemplo de boa conduta.
"Não aceito postura negativa dentro ou fora quadra. O Bocão hoje tem comportamento irretocável. É um cara que já foi campeão brasileiro, jogou em seleção. Tem uma liderança, as opiniões dele são ouvidas pelos mais jovens", diz Marcos Lerbach, técnico da Unincor e que trabalhara com o atleta nas seleções brasileiras de base.
A história de Bocão se assemelha a um enredo de folhetim barato.
Entusiasmado com o "boom" do vôlei pós-Mundial de 82 -quando o Brasil chegou pela primeira vez a um pódio- e com o Mundialito de 83, o garoto, nascido em Marília (SP), foi para a escolinha do clube Tietê, em São Paulo.
Com 18 anos, já tinha disputado dois Mundiais juvenis. Aos 19, participou da sua primeira -e única- Olimpíada, Seul-88.
Conquistou três títulos nacionais -dois no Suzano (91/92 e 92/93) e um no Olympikus (95/96). Passou pelo Banespa e pelos extintos Chapecó, Palmeiras e Flamengo.
Ficou sem clube quando foi dispensado do Banespa, em 90 ("era moleque, estava ganhando dinheiro, fazendo sucesso, saía toda noite"), e quando desistiu do Flamengo, em 94 ("passei três meses sem receber, me enfiei no morro e não queria mais sair de lá").
O último período de desemprego coincidiu com o corte de verbas da Prefeitura de Guarulhos, que bancava o Guaru, convidado a disputar a elite do Paulista de vôlei.
"Quando o Guaru acabou, eu não conseguia ir para nenhum time. Muita gente ligava, eu ligava para os clubes, ficavam de dar retorno e nada. Nem na primeira divisão (a de acesso à elite ) pintava clube. É o teu passado que pesa", diz Bocão.
"Todos sabem que já fui muito problemático", acrescenta ele.
A volta
Luiz Felipe Ximenez, diretor da Unincor, conta que, a pedido de um amigo pessoal dos dois, se propôs a ajudar o atacante com um tratamento dentário -iniciado de forma gratuita por um dentista de São Paulo depois que o atleta perdera uma ponte que usava na arcada superior.
"Ele pediu uma chance. Disse que estava bem. Falei que estava com meu orçamento fechado, mas ofereceria hospedagem e alimentação, me dispondo a procurar um patrocinador para lhe pagar um salário", explica Ximenez.
"Disse a ele que o passado não me interessava. Mas que, aqui, só teria uma chance."
Em dois meses na Unincor, o meio-de-rede é uma espécie de "primeiro reserva". Das 11 partidas que a equipe -sexta colocada, com seis vitórias e cinco derrotas--disputou na Superliga, só não foi utilizado em duas.
Uma cooperativa de dentistas, a Uniodonto, contratou Bocão como garoto-propaganda. O atleta se compromete a dar seu "testemunho" em palestras e usar bonés e camisetas com logotipo da cooperativa em aparições públicas. Em troca, recebe R$ 1.200,00 por mês e o tratamento dentário.
A equipe contratou uma terapeuta para acompanhá-lo. "Só fiz tratamento de dependência uma vez, antes de jogar no Olympikus. Frequentei o Narcóticos Anônimos, mas para mim não servia. Em vez de esquecer, ficava lembrando o tempo todo da droga", diz o atleta. "Estou me dando bem com a terapia. Você se conhece, põe para fora o que sente."



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