São Paulo, sexta-feira, 29 de abril de 2005

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FUTEBOL

Viva Grafite!

MÁRIO MAGALHÃES
COLUNISTA DA FOLHA

Chego de viagem e entro atrasado na conversa, mas se trata mais de falar do futuro do que do passado.
O que fez histórica a noite de 13 de abril não foi a prisão de Leandro Desábato, mas a atitude de Grafite ao denunciá-lo.
São ainda nebulosos os fatos do Morumbi. Grafite diz que ouviu manifestações rasteiras de racismo. Desábato assegura que não as pronunciou. A dita leitura labial não reconheceu os palavrões descritos pelo são-paulino. O que não significa que o jogador do Quilmes não os tenha vomitado em momento não documentado pelas câmeras.
O zagueiro amargou duas noites de cana sem culpa comprovada. Muito pior, foi submetido à ignóbil humilhação das algemas. Avolumam-se indícios de que cartolas tenham incentivado o atacante a apresentar queixa. E de fato houve espetacularização (êta palavrinha) do episódio.
A despeito de todos os senões -o mais grave foi tratar como culpado quem é apenas suspeito-, se sobressai a decisão de Grafite. "Negro de merda" e "negrito" não são meras provocações do futebol, mas expressam preconceito racial inaceitável em sociedades que se pretendem civilizadas.
A questão pontual é saber o que Desábato disse. Há versões divergentes. No limite, na dúvida, pró-réu. A discussão de fundo é outra: seria o futebol um espaço de relações tão particulares no qual se tornariam "naturais" os comportamentos humanos mais abjetos?
Se Pelé, em vez de responder apenas "dentro de campo" aos xingamentos racistas dos adversários, tivesse adotado uma única vez a postura de Grafite, o futebol seria melhor. E teria, pelo exemplo, feito melhor e menos desigual o Brasil. Grafite teve a coragem que faltou a Pelé.
Querer que a punição por racismo se restrinja à Justiça desportiva equivale a considerar socialmente inimputáveis os futebolistas. Assassinato na cancha só custaria o gancho de alguns jogos.
Mesmo que o atacante recue da queixa, o que passou não se apaga. Seu gesto golpeou a relativização do racismo no futebol. Quando se brinda um oponente com um "filho da puta", não se diz que Dona Fulana, a progenitora do rival, está na vida. Há juízo de valor sobre donzelas, é verdade. Mas não é pessoal como "negro de merda". Isso só se fala a quem não tem a pele alva preferida por alguns cretinos.
O futebol precisava de um 13 de abril. Poderia envolver só brasileiros, e não um argentino, pois não faltam situações semelhantes com atletas nacionais. Nem torcedor bandido como o que anteontem, no Pacaembu, atirou uma banana com a inscrição "Grafite macaco".
É irônico que o protagonista seja um jogador que se orgulhe do apelido derivado da sua cor. Edinaldo Batista Libânio tem levado bordoadas desde que disse "chega". Não é à toa. Ele considerou intolerável o que muitos toleram. Sua ação fala ao futuro. Bom será se o futebol e o Brasil aprenderem com Grafite.

Festa legal
Não sei se a idéia foi da CBF, de Parreira ou da TV Globo, que celebrou seus 40 anos com o amistoso. Mas foi muito, muito legal homenagear Romário com uma despedida da seleção. Seria melhor contra um time de expressão, e não contra a Guatemala? Evidente. Mesmo assim, foi emocionante assistir a Romário ao lado de Robinho. Em um dos estádios mais bacanas do mundo, e com um público mais bacana ainda. O espectro das vaias se transformou numa aclamação antológica. Romário retribuiu com um gol e deu lugar a Grafite, o melhor da partida. Que país do mundo conseguiria despedir-se de um craque como Romário ao mesmo tempo em que testemunha o nascimento de um gênio como Robinho?

E-mail mario.magalhaes@uol.com.br


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