São Paulo, sábado, 29 de junho de 2002

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JOSÉ GERALDO COUTO

Intuição de Scolari vence razão cartesiana


Técnico nos lembrou que no futebol, às vezes, paixão e instinto falam mais alto que a razão. E nesse quesito, teve enorme êxito


Todos destacaram o que o Brasil e a Alemanha, os finalistas de amanhã, têm em comum: são as seleções que mais chegaram a finais, e ambas começaram a Copa de 2002 desacreditadas.
As semelhanças param por aí. Mais que um confronto entre iguais, será um jogo de contrastes: o melhor ataque contra a melhor defesa, o talento sem organização contra a organização sem talento, a intuição contra a razão.
É deste último binômio (intuição x razão) que quero falar aqui.
Ao longo da Copa, estive entre os críticos mais severos do trabalho de Luiz Felipe Scolari. Hoje é o dia de dar o braço a torcer.
Não que nossos argumentos fossem incorretos. Scolari cometeu, de fato, erros táticos óbvios. O maior deles foi abrir mão de um armador no meio-campo, o que deixou nossos excepcionais atacantes praticamente à mercê de bolas espirradas ou mal passadas, quando não os obrigou a buscá-las antes da intermediária.
Não estava aí o erro dos críticos, portanto, mas, sim, na supervalorização da razão e da lógica. Tentamos ser cartesianos nos trópicos e, pior ainda, no terreno movediço do futebol.
Scolari nos fez lembrar que no futebol, muitas vezes, a paixão e o instinto falam mais alto que a razão. E nesse quesito o treinador foi de uma felicidade ímpar.
Primeiro, porque intuiu que só teria chance de vencer a Copa se apostasse no talento de um punhado de atletas diferenciados (os Ronaldos, Rivaldo, Denílson numa emergência).
Segundo, porque percebeu que outro passo fundamental seria a recuperação da auto-estima dos jogadores, como de um tecido esfarrapado que precisasse ser pacientemente recomposto.
Nas escalações e nas trocas que o técnico fez ao longo da Copa -muitas delas claramente erradas do ponto de vista lógico- talvez tenha pesado mais sua sensibilidade para o estado de espírito de cada jogador, para o que cada um podia render "aqui e agora". Se tivesse feito tudo de acordo com a lógica, talvez tivéssemos caído fora na primeira fase.
Qualquer que seja o resultado do jogo de amanhã, Scolari cumpriu sua missão, assim como Parreira cumpriu a dele em 94. Parreira com seu estilo frio e cerebral, Scolari na base do improviso e da paixão. Gostando ou não, temos que aplaudir os dois.
Em suma, erramos. Não por prepotência, como acusaram alguns, mas talvez por querer saber demais -e sentir de menos.

jgcouto@uol.com.br



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