São Paulo, domingo, 29 de julho de 2007

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TOSTÃO

A mulher que corria e sonhava


Ela demorou a dormir na véspera da disputa pelo ouro e até teve pesadelo, mas ela foi lá, competiu e... sonhou


ERA VÉSPERA da disputa pela medalha de ouro na prova de maratona entre as mulheres. Era também a última competição do Pan. Brasil e Cuba lutavam ainda pelo segundo lugar. Maria era a finalista brasileira. O Brasil todo só falava nela e na corrida.
Antes de dormir e após dar muitas entrevistas, Maria lembrou de sua infância pobre no interior. Ela adorava correr. Era conhecida como a menina que corria.
Desde criança, enquanto corria, Maria era possuída de um grande entusiasmo, de um intenso desejo de fazer algo grandioso que estivesse além da rotina diária e que seria ainda melhor do que correr. Ela não sabia o que era.
Maria estava com 22 anos. Aos 18, foi levada para um grande clube da capital. Ela treinou muito, ganhou várias competições, até chegar a uma final de um Pan.
Maria não conseguia dormir. Estava tensa. Isso acontecia sempre antes de uma competição. Agora era diferente. Valia uma medalha de ouro. Depois de várias horas, ela dormiu e teve um pesadelo. Sonhou que ia começar a corrida e que estava colada no chão. O árbitro deu várias partidas, e ela não conseguia sair do lugar. Foi eliminada, e a cubana, proclamada campeã.
No momento em que era vaiada pelo público, Maria acordou aliviada. Era apenas um sonho. Devia ser medo de fracassar, pensou. Nesse instante, teve a estranha sensação de que estava mais forte, mais alta, mais veloz e que tinha certeza de que ganharia a medalha de ouro.
Antes de ir para a competição, Maria telefonou para os familiares e pensou em tudo o que teria de fazer e o que não poderia errar. Estava bastante concentrada.
Desde o início da corrida, Maria manteve uma longa distância da cubana até terminar a prova. Era medalhista de ouro. Dezenas de fotógrafos e toda a televisão esperavam a atleta. Ela era uma celebridade Toda a sua cidade e familiares iriam vê-la.
Durante a festa de comemoração, sem ninguém perceber, Maria saiu mais cedo e foi para casa. Sozinha, chorou abraçada à sua medalha. Sentiu alegria, orgulho e a sensação do dever cumprido. Dormiu e sonhou com a medalha de ouro olímpica em Pequim. Essa seria também dela. Aí poderia parar de correr e realizar os seus outros sonhos. A vida continuaria de outra forma.

Tragédia
Após essa ingênua ficção, volto à triste realidade.
O trágico dessa tragédia aérea é que, após passar o luto e/ou a depressão da população de todo o país, as pessoas vão continuar lotando os aeroportos ou irão para as estradas, onde o perigo é muito maior; vão continuar nos seus carros blindados, nos shoppings e nos edifícios cheios de seguranças; vão esquecer e continuarão apoiando autoridades e governos que estão mais preocupados em se livrar da culpa; vão continuar totalmente reféns da tecnologia e que cada vez mais pessoas, mesmo sem perceberem, vão ajudar na destruição do meio ambiente.
O trágico é que as pessoas vão continuar nesse mundo consumista, fisiologista e de aparências que escolheram para viver e que dizem não haver mais volta.

tostao.folha@uol.com.br


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