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São Paulo, quarta-feira, 29 de outubro de 2003

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Desconfiada do uso de novas substâncias, federação estocou 405 amostras de urina do Mundial

Expectativa de doping fez atletismo guardar testes

ADALBERTO LEISTER FILHO
GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL

Os meios esportivos estavam preparados para detectar casos de doping relacionados a novas formas de fraudar os controles.
A Iaaf (Associação Internacional das Federações de Atletismo) planejou guardar 405 amostras de urina coletadas durante o Mundial de Paris, disputado entre os dias 23 e 31 de agosto, para apontar possíveis casos positivos.
Segundo István Gyulai, secretário-geral da Iaaf, a entidade já desconfiava do uso de novas drogas.
"Guardamos todas as amostras do Mundial. Sempre combatemos o doping com rigor. Achamos estranho que, de repente, haja tantos casos positivos", disse Gyulai, à Folha, por telefone.
O procedimento de estocar as amostras de urina durante tanto tempo não ocorre normalmente.
"Os laboratórios têm autonomia para descartar os testes negativos após a análise. Só se guarda uma quantidade tão grande de exames se existe um acordo com a federação. É preciso estrutura para conservar isso", conta Francisco Radler de Aquino, coordenador do Ladetec, laboratório do Rio credenciado pelo Comitê Olímpico Internacional.
O THG (tetraidrogestrinona) e o modafinil, pivôs do maior escândalo de doping dos EUA, foram detectados na mesma época.
Por isso, segundo Gyulai, houve uma desconfiança de que o uso do modafinil era, de alguma forma, associado ao THG. A hipótese, por enquanto, está descartada.
"Uma droga é um estimulante [modafinil]. A outra é um esteróide anabólico [THG]. A punição para a primeira é a desclassificação. O atleta que for pego com a segunda pode ser suspenso por até dois anos", diferencia ele.
Mas a hipótese não foi descartada pela Wada, a Agência Mundial Antidoping. "Até o momento, porém, não sabemos de nenhuma relação entre as duas drogas", disse à Folha Farnaz Khadem, diretor de comunicações da entidade.
A existência do THG foi revelada há duas semanas pela Usada, a agência antidoping dos EUA.
Apesar de não fazer parte da lista de produtos banidos pelo Código Mundial Antidoping, o THG possui estrutura similar à de duas drogas que fazem parte da relação, a gestrinona e a trenbolona.
Já o modafinil é um estimulante que também não faz parte da relação de drogas proibidas. Passou a ser testado depois de desconfianças sobre sua disseminação.
"Normalmente, os laboratórios só fazem o teste para as drogas que constam da lista, que são cerca de 300. Não dá para testar tudo. Mas, se houver suspeita, podemos detectar outra substância", explica Jari da Nóbrega, do Ladetec.
Por enquanto, quatro casos positivos de THG são conhecidos: Kevin Toth, Dwain Chambers, Regina Jacobs e John McEwen. A confirmação oficial, porém, ainda depende da análise da amostra B.
A tecnologia capaz de detectar a tetraidrogestrinona já foi enviada ao laboratório de Paris, encarregado de promover o "recall" antidoping do Mundial. Os trabalhos não devem acabar tão cedo. "São 405 testes. Isso levará muitas semanas. Não deve ser encerrado antes de dezembro", disse à Folha Nick Davies, porta-voz da Iaaf.
Depois das pistas, o escândalo de doping pode respingar nas piscinas. A Federação Internacional de Natação anunciou ontem que também irá promover seu "recall". As 450 amostras coletadas durante o Mundial de Barcelona, disputado entre julho e agosto, passarão por nova análise.
Na semana passada, a intenção já havia sido manifestada por Cornell Marculescu, diretor-executivo da Fina. "Não temos razão para não refazer os testes. Não temos nada a esconder", declarou.
O único caso confirmado no último Mundial foi o da ucraniana Nataliya Khudyakova, pega para estanozolol, um outro esteróide.
O processo aparentemente incomum de estocagem das urinas coincidiu com um período em que os laboratórios credenciados pelo COI desenvolviam pesquisas com novas substâncias dopantes.
O Brasil, por exemplo, preparou a pedido da Wada um formato de urina contaminada com a gestrinona, esteróide similar ao THG.


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