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TONI NEGRI
O futebol consola a desgraça de a TV existir
São pelo menos 30 anos que
não vou a um estádio. Não
por uma decisão explícita,
mas simplesmente porque isso se
tornou impossível. Viajava e trabalhava muito. E, aos domingos,
desejava estar com a família.
Passei muito tempo preso. Depois, no exílio, longe da minha
equipe preferida. Hoje, vejo o futebol pela televisão. Ganho ou
perco com isso? De fato, depois de
30 anos, estou tão afundado nesse vício que acabo me perguntando se o futebol poderia existir sem
a televisão.
Sim, respondo. E ainda vivo a
lembrança dos domingos de
quando era menino. De um pulo,
vencia o muro do estádio e me escondia no subsolo -interminável e medrosa espera- até que o
jogo começasse e se dissipara o
perigo de os guardas me caçarem.
Escutei muito futebol pelo rádio. E ainda existiam os filmes,
mas eram documentários póstumos das partidas, um espetáculo
à parte, mesmo que alguns distraídos insistissem em enfartar
ao vê-los. Mas, como disse, estou
convencido de que o futebol precisou da TV para atingir o título
do esporte mais belo do mundo.
Foi providencial que a TV o
promovesse, assim essa modalidade pôde invadir o mundo, em
toda sua extensão e intensidade.
Fala-se nele em todo lugar, o
tempo todo. O futebol é global
sem ser imperialista, e frequentemente - neste mundo jocoso-
as hierarquias se invertem: os últimos se revelam os primeiros.
Em muitas cidades e nas várias
classes sociais, o futebol é sinônimo de conversa, de fofoca. Heidegger fala da fofoca como sinônimo do tédio da existência e da
corrupção do ser. Talvez seja verdade: posso todavia garantir que
o bate-papo futebolístico é sempre um evento, um momento de
criação linguística. Tanto é assim
que também penetra na televisão
e, de tão obstinado, a sujeita.
Portanto, se a TV não inventou
o futebol, ela desde já se tornou a
sublimação, o instrumento fundamental para confirmar e destruir as razões de uma vitória,
para exaltar valores (e mentiras)
atléticos e esportivos. O que seria
de Pelé, Maradona, Platini e Baggio sem a TV? Quem se lembra
dos campeões da época sem TV, a
não ser os arqueólogos ou os memoriosos, cuja lembrança, sem
imagem, fica muda e desfalece
em um passado remoto? Os antigos Jogos Olímpicos tiveram Píndaro. Também no futebol existiram milhares de cantores épicos:
os cronistas radiofônicos... Mas,
paradoxalmente, foram "cantores cegos", já que nós éramos os
espectadores que nada viam.
Agora temos a sorte de ter o futebol na TV, e isso nos consola da
desgraça de a TV existir.
Dito isso, quero acabar esse
meu "muito obrigado" aos programas sobre futebol reconhecendo que, se pudesse ir mais seguidamente aos estádios, talvez me
divertiria ainda mais. Nos estádios, existe, além de tudo, o resto,
aquilo que Rousseau dizia ser "o
espetáculo dos espectadores"
-um espetáculo muitas vezes
maior que o jogo em si.
Se continuo a pensar nessa direção, porém, deveria lamentar
não só ver futebol pela TV, não só
não integrar a torcida de meus
correligionários futebolísticos nas
tribunas dos estádios, mas também lamentar não ter virado, eu
próprio, um campeão...
Toni Negri, 69, filósofo italiano,
é autor de "Império", entre outros
Tradução de Rodrigo Bertolotto
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