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O dono da bola
Como Dunga deixou de ser o garoto birrento de Ijuí para virar líder nos campos e ganhar posto de técnico da seleção
Temperamental desde a infância, ex-jogador só melhorou comportamento quando comandou time de futebol na adolescência
Antônio Vargas - 16.set.83/ Agência RBS
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Toda criança é meio revoltada, e eu não era diferente. Lembro que, quando jogava no Ouro Verde, de Ijuí, chegava a ser meio birrento. Brigava
sem razão, chegava atrasado. O treinador me ensinou a ter disciplina. Aprendi que, no futebol e na
vida, é preciso ter uma postura firme e correta
DUNGA
novo técnico da seleção brasileira
GUILHERME ROSEGUINI
PAULO GALDIERI
DA REPORTAGEM LOCAL
O homem eleito para substituir Carlos Alberto Parreira no
comando da seleção nem sempre conseguiu a designação de
líder com naturalidade.
Também penou na escola pelo mesmo estilo emotivo e brigador que hoje é apontado como trunfo na sua missão de
reerguer o Brasil. E chegou a
gerir uma equipe de futebol
com 15 anos para provar que
não era um aluno-problema.
Na infância e na juventude, o
temperamento inflamável que
marcou o sucesso profissional
de Dunga causou-lhe alguns
dissabores, de acordo com relatos de familiares e amigos que
acompanharam sua jornada
em Ijuí, cidade gaúcha de 80
mil habitantes onde nasceu.
O acervo de causos inusitados começa já nas primeiras
manifestações de seu propalado espírito de liderança.
A mãe, Maria, conta que
"Dunguinha" era temido pelos
colegas desde os primeiros
chutes nos campos de várzea.
Não por falar grosso ou distribuir reprimendas aos garotos,
todos na época com seis ou sete
anos, mas por ser o único proprietário de um objeto indispensável para disputa. "O Dunga era o dono da bola. Quando
se enfezava, acabava com o jogo. Tinha que ser do jeito dele.
A gurizada tinha que segui-lo."
Bolas, aliás, nunca faltaram
na casa da família. Carlos, avô
paterno do agora treinador da
seleção, atuou como goleiro em
pequenas equipes. Outros sete
tios enveredaram pelo futebol.
O pai de Dunga, Edelceu,
também se arriscou nos gramados, exibindo um repertório
parecido com o que depois consagraria seu caçula.
"Lembro que ele era o líder
do time, bravo e reclamão. Não
é difícil adivinhar a quem o
Dunga puxou", relata Cesar Augusto Valduga, que jogou com
Edelceu no Esporte Clube São
Luiz, agremiação de Ijuí.
Esse espírito colérico, muitas
vezes birrento, deixou Dunga
em maus lençóis nos tempos
escolares. Não que tivesse problemas com notas. Seus boletins no colégio Rui Ramos, onde estudou por cinco anos, registram médias que variam entre 60 e 80. Educação física era
o ponto forte (conseguiu um
100 na quarta série). Educação
artística, o fraco (teve conceito
"regular" na quinta série).
O que chamava atenção dos
docentes era o comportamento
intempestivo. "Quando ele cismava com algo, ninguém tirava
da cabeça. Para os professores
da época, era um mau elemento", relata Dona Helianita, ex-diretora da escola Rui Barbosa,
destino do ex-atleta quando tinha entre 13 e 14 anos.
Ela encampou a missão de
tentar recuperá-lo. Amiga da
família, acreditava que o garoto
precisava ganhar uma missão
de responsabilidade, alguma
tarefa na qual pudesse desovar
suas qualidades de comando.
Como a paixão pelo futebol já
havia sido manifestada, Helianita colocou Dunga para administrar a equipe dente-de-leite
da instituição. Era sua primeira
experiência como gestor.
"Ele cuidava dos garotos e até
das contas do time. Aos poucos,
melhorou bastante, deixou de
ser disperso e conquistou a todos", conta a ex-diretora.
A experiência é lembrada até
hoje pelo protagonista. "Era
uma função importante, onde
era preciso zelar pela união do
grupo. Na época, aprendi que às
vezes é preciso ceder para ganhar", afirma Dunga, 42.
Paralelamente à reviravolta
que vivia na escola, o ex-jogador também chamava atenção
pelo que fazia com a bola nos
pés. Valdir Aguirre, falecido
técnico que o comandava no
Ouro Verde, achava que o pupilo merecia uma chance fora dos
limites de Ijuí. Procurou então
Emídio Perondi, padrinho de
Dunga, e pediu para tentar uma
vaga em um clube da capital.
"Fui ver um jogo dele e não
gostei. De qualquer forma, levei-o para Internacional com
15 anos. Não demorou muito
para eu saber que estava totalmente enganado", diz Perondi.
O sucesso meteórico -em
1982, apenas quatro anos depois de desembarcar no clube,
Dunga ganhou o Estadual, seu
primeiro troféu com os profissionais- acabou ofuscando o
início difícil na nova casa.
Eram tempos bicudos. O agora treinador da seleção dormia
com colegas em um alojamento
improvisado embaixo das arquibancadas do estádio dos Eucaliptos. Os colchões eram colocados no chão. "Eu tinha um
par de chuteiras, que usava nos
jogos. Nos treinos, calçava um
tênis Bamba", recorda Dunga.
Reclamações? Vontade de
voltar para casa? De acordo
com Perondi, jamais. "Não
lembro de queixas. Ao contrário, dizia que sofrer era bom,
que ajudava o homem a crescer.
Ele segue essa filosofia até hoje.
Vai causar impacto na seleção."
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