São Paulo, sexta-feira, 30 de agosto de 2002

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FUTEBOL

Manifesto torcedorista

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Dizem que um fantasma ronda o Brasil -o fantasma do torcedorismo. Todos os presidentes de federação, todos os cartolas, os políticos, os policiais, a imprensa e os dirigentes unem-se numa Santa Aliança para derrotá-lo.
Mas é tempo de os torcedoristas exporem, à face do país inteiro, seu modo de ver, seus fins e suas tendências, opondo um manifesto a esta história de fantasmas.
Historicamente as agremiações esportivas têm servido a homens poderosos. Homens que se valem da plebe ignorante para obter dinheiro e cargos eletivos. Esses poderosos, embora jurem o contrário diante da cruz, em geral amam mais sua carreira e seus saldos bancários do que seus times. E a prova é que raramente algum deles sai de um clube mais pobre do que quando entrou.
A percepção desse fenômeno levou a que, aos poucos, se formassem organizações de poder paralelas aos clubes. Torcedores preocupados passaram a exercer seu poder de pressão e a exigir verdadeiro empenho de dirigentes, treinadores e jogadores.
Algumas vezes, porém, os torcedores vendem seu apoio por ingressos gratuitos e carne para churrasco. Outras, extrapolando os limites da razão, esses grupos ainda fazem ameaças de morte e promovem atos de vandalismo. Em certas reações, é forçoso admitir, os torcedoristas pouco se diferenciam de primatas.
Porém, com uma centelha aqui e outra ali, o verdadeiro torcedorismo começa a ganhar espaço. Simpatizantes, admiradores e pessoas devotadas ao futebol aos poucos passam a participar mais ativamente da vida social, política e econômica dos clubes. São recebidos com desconfiança e algum receio, mas lentamente vão ocupando cargos nos conselhos administrativo e fiscal, exigindo maior transparência nas negociações e vigiando a dedicação e a eficiência dos jogadores nos treinamentos e jogos. Vendo esta invasão, os cartolas lamentam: "Mais valia que ficassem quietinhos na arquibancada, atrás dos alambrados, com seus gritos e batuques, sem nunca querer alterar a ordem natural das coisas."
O torcedorismo evolui lentamente da reclamação grotesca para um modo de ação política, o domínio dos meios de produção. De simples espectadores bestializados, eles passam a sujeitos da história conscientes do seu papel revolucionário: o de fazer pelo futebol o que seus dirigentes jamais farão, pois, da maneira como estão dispostas as coisas, eles são os grandes beneficiários do negócio, ganhando, de um modo escuso, fama, prestígio e dinheiro.
Aos homens comuns que sustentam a vil máquina de poder cabe a tarefa de acabar com a exploração. Mas não com depredações e sim com efetiva participação política; não esbofeteando jogadores, mas aposentando cartolas; não brigando como selvagens, mas unindo-se em favor de um futebol melhor. E depois de mudar o futebol, virá o país.
Torcedores de todo o mundo, uni-vos!

Para quem não percebeu, o texto é um plágio do manifesto comunista de Karl Marx e Friedrich Engels. Guardadas as proporções, as organizadas podem fazer hoje o que os dois socialistas sonhavam que fosse feito pelas classes populares do século passado. As torcidas estão numa encruzilhada: é hora de escolher se serão movimentos populares ou apenas gangues que gostam de futebol.

Gaviões
E a Gaviões da Fiel saiu na frente desta nova fase das torcidas organizadas. Hoje termina a Semana da Democracia Corintiana, uma série de seminários promovidos pela torcida alvinegra e que teve gente de todos os times e profissões (jornalistas, policiais, ex-jogadores, publicitários, deputados, economistas, sociólogos e, é claro, torcedores) discutindo sobre futebol e sociedade. Neste último debate, que começa às 21h, na quadra de sua escola de samba, estarão Juca Kfouri, Casagrande, Vampeta, Eduardo Amorim, Jorge Kajuru, entre outros nomes de peso.

Haicai
E a leitora Francisca Dutra, torcedora do Cruzeiro, fez um haicai só para me provocar. Como sou democrático, não me resta outra opção a não ser publicá-lo: Entre times tantos/tem gente que pensa/que só existe o Santos.

E-mail torero@uol.com.br



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