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FUTEBOL
Manifesto torcedorista
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Dizem que um fantasma ronda o Brasil -o fantasma do
torcedorismo. Todos os presidentes de federação, todos os cartolas,
os políticos, os policiais, a imprensa e os dirigentes unem-se numa
Santa Aliança para derrotá-lo.
Mas é tempo de os torcedoristas
exporem, à face do país inteiro,
seu modo de ver, seus fins e suas
tendências, opondo um manifesto
a esta história de fantasmas.
Historicamente as agremiações
esportivas têm servido a homens
poderosos. Homens que se valem
da plebe ignorante para obter dinheiro e cargos eletivos. Esses poderosos, embora jurem o contrário diante da cruz, em geral
amam mais sua carreira e seus
saldos bancários do que seus times. E a prova é que raramente
algum deles sai de um clube mais
pobre do que quando entrou.
A percepção desse fenômeno levou a que, aos poucos, se formassem organizações de poder paralelas aos clubes. Torcedores preocupados passaram a exercer seu
poder de pressão e a exigir verdadeiro empenho de dirigentes, treinadores e jogadores.
Algumas vezes, porém, os torcedores vendem seu apoio por ingressos gratuitos e carne para
churrasco. Outras, extrapolando
os limites da razão, esses grupos
ainda fazem ameaças de morte e
promovem atos de vandalismo.
Em certas reações, é forçoso admitir, os torcedoristas pouco se diferenciam de primatas.
Porém, com uma centelha aqui
e outra ali, o verdadeiro torcedorismo começa a ganhar espaço.
Simpatizantes, admiradores e
pessoas devotadas ao futebol aos
poucos passam a participar mais
ativamente da vida social, política e econômica dos clubes. São recebidos com desconfiança e algum receio, mas lentamente vão
ocupando cargos nos conselhos
administrativo e fiscal, exigindo
maior transparência nas negociações e vigiando a dedicação e a
eficiência dos jogadores nos treinamentos e jogos. Vendo esta invasão, os cartolas lamentam:
"Mais valia que ficassem quietinhos na arquibancada, atrás dos
alambrados, com seus gritos e batuques, sem nunca querer alterar
a ordem natural das coisas."
O torcedorismo evolui lentamente da reclamação grotesca
para um modo de ação política, o
domínio dos meios de produção.
De simples espectadores bestializados, eles passam a sujeitos da
história conscientes do seu papel
revolucionário: o de fazer pelo futebol o que seus dirigentes jamais
farão, pois, da maneira como estão dispostas as coisas, eles são os
grandes beneficiários do negócio,
ganhando, de um modo escuso,
fama, prestígio e dinheiro.
Aos homens comuns que sustentam a vil máquina de poder
cabe a tarefa de acabar com a exploração. Mas não com depredações e sim com efetiva participação política; não esbofeteando jogadores, mas aposentando cartolas; não brigando como selvagens,
mas unindo-se em favor de um
futebol melhor. E depois de mudar o futebol, virá o país.
Torcedores de todo o mundo,
uni-vos!
Para quem não percebeu, o texto é um plágio do manifesto comunista de Karl Marx e Friedrich
Engels. Guardadas as proporções,
as organizadas podem fazer hoje
o que os dois socialistas sonhavam que fosse feito pelas classes
populares do século passado. As
torcidas estão numa encruzilhada: é hora de escolher se serão
movimentos populares ou apenas
gangues que gostam de futebol.
Gaviões
E a Gaviões da Fiel saiu na
frente desta nova fase das torcidas organizadas. Hoje termina a Semana da Democracia Corintiana, uma série de
seminários promovidos pela
torcida alvinegra e que teve
gente de todos os times e profissões (jornalistas, policiais,
ex-jogadores, publicitários,
deputados, economistas, sociólogos e, é claro, torcedores) discutindo sobre futebol
e sociedade. Neste último debate, que começa às 21h, na
quadra de sua escola de samba, estarão Juca Kfouri, Casagrande, Vampeta, Eduardo
Amorim, Jorge Kajuru, entre
outros nomes de peso.
Haicai
E a leitora Francisca Dutra,
torcedora do Cruzeiro, fez
um haicai só para me provocar. Como sou democrático,
não me resta outra opção a
não ser publicá-lo: Entre times tantos/tem gente que
pensa/que só existe o Santos.
E-mail torero@uol.com.br
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