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Molecas da rua são a cara da seleção
Atletas que estão no Mundial começaram a jogar bola na terra e no asfalto, onde a improvisação e o drible eram livres
No início, elas eram meninas
solitárias em meio a legiões
de garotos, para desespero
dos pais, que temiam o
preconceito e o futuro
DA REPORTAGEM LOCAL
Nem a ladeira do bairro da
periferia de São Paulo impedia
os garotos de montarem seu
campinho. As duas pedras que
demarcavam o gol eram colocadas no asfalto íngreme. Sorte de
quem atacava para baixo.
No meio de mais de 20 garotos que todos os dias chutavam
bolas por ali, destacava-se uma
menina. Para desespero do pai.
A história de Aline Pellegrino, 25, é repetida na vida de
praticamente todas as jogadoras da seleção de futebol.
A geração que busca hoje o
inédito título mundial, às 9h,
contra a Alemanha, foi formada
bem longe do controle de escolinhas e clubes disseminado
atualmente. Cresceu jogando
bola na rua. Terreno livre para
dribles, invenções, improvisos,
refletidos no futebol que as jogadoras mostram agora nos
gramados da Copa da China.
"Eu nem sabia que existia
campeonato feminino. Descobri vendo na TV. Fiquei abismada em ver um monte de mulheres jogando. E decidi que
queria fazer aquilo. Tinha uns
12 anos", relembra a zagueira.
Nas ruas em que Aline corria,
só havia garotos com a bola nos
pés. A contingência a obrigava a
correr mais, agüentar os trancos e recorrer à técnica para superar a força física deles. Habilidades que hoje a seleção esbanja nos campos chineses.
Assim também foi formada
Marta, 21, eleita a melhor jogadora do mundo pela Fifa. Pobre, ela cresceu em Dois Riachos (AL). Divertia-se na terra
batida. Até quando começou a
se aventurar nos clubes, no início da adolescência, tinha de dividir os gramados com garotos.
A convivência entre os meninos e elas, no entanto, nem
sempre era muito amigável.
"Eu não chegava a bater neles, mas todos tinham medo de
mim. E sempre me queriam no
time. Aprendi muito jogando
com os meninos. A jogar e a me
virar", afirma Daniela Alves, 23,
que corria atrás da bola com bonecas embaixo do braço.
O estilo durão foi herdado da
mãe. Essa sim usava a força física contra os garotos. Edileuza
jogava bola escondida, enquanto o pai estava na roça, na cidade baiana de Pedro Alexandre.
"Mas, quando eu vi minha filha correndo no meio daquele
monte de menino, não gostei
não. Achava um horror. Mas
sempre foi a coisa de que ela
mais gostou. No Natal, pedia
bola. Tive de aprender a ver isso
como normal", afirma.
Edileuza temia o preconceito
contra as mulheres no futebol e
a ausência de perspectivas.
"Até hoje não dá futuro. Preocupei-me com o que ela iria fazer quando parasse", diz ela,
que até dois anos atrás ainda jogava com um time feminino da
região no mesmo campo em
que a filha costumava brincar.
Francisco Pellegrino sofreu
mais. Pai de Aline, corria atrás
da filha nas ruas e nos campos
para evitar que ela jogasse com
garotos de Pedra Branca, bairro da zona norte de São Paulo.
"Ele gritava comigo, me tirava do meio da rua. Eu jogava escondida. Meus amigos gostavam de jogar comigo. Me avisavam quando meu pai estava
vindo, me escondiam dele. Mas
eu o entendo. Sofri muito preconceito. Futebol no Brasil ainda é considerado coisa de homem", afirma a jogadora.
O pai só aceitou a escolha de
Aline quando foi assistir a um
jogo da filha em um torneio feminino. Ela tinha só 12 anos,
mas jogou em meio a mulheres
mais velhas e fez cinco gols. Ele
viu a partida escondido.
"Na saída, o guardador de
carros fez um monte de elogios
a ela, sem saber que era minha
filha. Foi um divisor de águas.
Ela jogava em cada lugar feio,
sujo, um horror. Mas ali eu vi
que tinha de assumir a Aline",
declara Francisco.
Hoje o preconceito ainda é
um entrave para as garotas. As
ruas das grandes cidades recebem cada vez menos peladas, e
as escolinhas proliferam uma
forma uniforme de jogo. Mas o
número de meninas cresceu, é
o que observam as jogadoras.
"Quando volto para São Luís
[capital maranhense], vejo
muito mais garotas jogando
nas ruas, nos campos", afirma
Tânia Maranhão, 32, que,
quando criança, arrancava as
cabeças das bonecas para fazer
de bola. "Me emociono de ver
que ajudamos a abrir o caminho para elas", completa.(MARIANA LAJOLO E PAULO COBOS)
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