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GP de Hitler na Inglaterra faz 70 anos e ainda rende
Corrida em Donington, em 1937, chocou e acordou Inglaterra, hoje "casa da F-1'
A exemplo do que fizera nos Jogos Olímpicos, um ano antes, führer queria mostrar a superioridade alemã, dessa vez com seus carros
FÁBIO SEIXAS
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE
Deu na edição de 4 de outubro de 1937 da "Folha da Noite": "Os volantes allemães continuam vencendo. O grande
premio automobilistico internacional de Donington disputado na distancia de 250 milhas
foi ganho pelo volante allemão
Rosemeyer, com carro Auto
Union. Collocaram-se em segundo e terceiro lugares, respectivamente, Von Brautschitsh e Caracciola, igualmente
allemães, que correram com
machinas Mercedes-Benz."
A primeira página destacava
um inflamado discurso de
Adolf Hitler na Prússia. Relatava uma inesperada viagem de
Joachim von Ribbentrop, embaixador alemão no Reino Unido, para Berlim. E anunciava o
saldo de uma manifestação fascista em Southwark, Londres.
Um fato intimamente ligado
a outro, e todos relacionados ao
status da F-1 atual que, na madrugada, correria no Japão.
Uma história que faz aniversário: há 70 anos, Hitler mandava seus carros atravessarem
o Canal da Mancha para mostrar aos desafetos ingleses, e ao
mundo, a superioridade da engenharia germânica. Um movimento que guarda semelhanças com tantas iniciativas do
führer, a mais emblemática no
esporte, os Jogos de 1936.
Com uma diferença vital: um
ano depois, deu certo. Deu muito certo. Deu tremendamente e
assustadoramente certo. A
ponto de estabelecer um novo
paradigma para o esporte a motor, criando a base para o que se
tornaria, 13 anos depois, a F-1.
"Nunca havia existido nada
como aquilo. Aquele GP em
Donington, em 1937, foi extremamente importante para o
automobilismo", disse à Folha,
em Fuji, Murray Walker, 84,
mítico ex-comentarista de F-1
da BBC. E que, moleque de 14,
assistiu à corrida in loco.
"As duas corridas em Donington, em 1937 e 1938, foram
uma prévia assustadora da força técnica da Alemanha no pré-guerra. Os pilotos ingleses,
amadores em carros do estilo
senta-e-reza, foram dizimados
pelo veículos monstruosos e
pelo profissionalismo dos alemães", afirma a orelha de "Hitler's Grand Prix in England"
(em inglês, "Os GPs de Hitler
na Inglaterra), livro do historiador britânico Christopher
Hilton, lançado em 1999.
O primeiro Mundial de F-1
só aconteceria em 1950. Naquela época, anos 30, o que havia eram eventos isolados, GPs
espalhados pela Europa -com
raras exceções, como Argel, na
África, e o circuito da Gávea, no
Rio. Cabia a cada marca decidir
que provas correr. Pesavam o
prestígio e o valor dos prêmios.
Mas, no caso da primeira viagem dos alemães à Inglaterra, a
motivação foi outra. A ordem
para que Auto Union e Mercedes corressem em Donington
partiu do gabinete de Hitler para Jakob Werlin, relata Hilton.
(Werlin, um dos homens-fortes da Mercedes, era amigo
pessoal do chanceler: publicava
anúncios da montadora no jornal do Partido Nazista e foi ele
que o buscou na saída do presídio de Landsberg, em 1924.)
Em 29 de setembro de 1937,
sete carros alemães, quatro
Mercedes e três Auto Union
(embrião da Audi), começaram
a treinar pela primeira vez
num circuito inglês, Donington. Havia outros oito competidores, dois com Maseratis e
cinco a bordo de carros locais.
O gigantesco fosso entre as turmas tornou-se evidente logo.
"Foi um choque. Os carros
alemães não pareciam reais. De
repente, materializavam-se na
sua frente, voando", diz Tich
Allen, ex-repórter do "Leicester Evening Mail", no livro.
A definição do grid aconteceu em 1º de outubro e o resultado não poderia ser mais simbólico. Os oito carros alemães
nas oito primeiras posições,
pole position de Manfred von
Brauchitsch, veterano da 1ª
Guerra e sobrinho de um dos
principais generais de Hitler.
A diferença entre o último
alemão e o primeiro piloto local, nove segundos. Uma eternidade numa pista de 5 km.
A corrida, no dia 2 de outubro, 70 anos redondos na terça-feira, foi um passeio. A vitória
foi de Bernd Rosemeyer, ídolo
daquele era, com 37 segundos
de folga para Von Brauchitsch.
Três meses depois, Rosemeyer morreria na tentativa de
bater o recorde mundial de velocidade. Outra das demonstrações de força de Hitler.
O primeiro carro inglês, um
ERA (English Racing Automobiles), chegou com distantes
três voltas de atraso. O seguinte, com seis voltas de atraso. O
próximo, oito voltas de atraso.
Atraso, palavra que batucou
por meses a fio na cabeça dos
ingleses. E que chacoalhou,
acordou a indústria automobilística para um novo padrão.
Já eram tempos de alta tensão. A viagem do embaixador
para Berlim tinha a Tchecoslováquia como tema. E a manifestação de sir Oswald, pai de
Max Mosley, hoje presidente
da FIA (Federação Internacional de Automobilismo), acabou
com 111 presos e 30 feridos.
Donington ainda receberia
os alemães em 1938: lavada
igual, ingenuidade menor. A
corrida de 1939 não aconteceu:
um mês antes, a 2ª Guerra foi
deflagrada. Mas a lição ficou.
Após o conflito, o saco de
pancadas assumiria papel-chave no crescimento da F-1.
Hoje, das 11 equipes, sete estão sediadas no Reino Unido,
que acumula 12 Mundiais de
Pilotos e 33 de Construtores.
Boa parte disso, ironia, graças aos "volantes allemães",
suas "machinas" e a um homem com delírios de grandeza.
Colaborou TATIANA CUNHA, enviada especial a Fuji
Confira o resultado do GP do Japão de F-1 www.folha.com.br/072712
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