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FUTEBOL
Decreto religioso de muçulmanos exige maus-tratos para quem faz gol e uso do esporte como preparação para "jihad"
Árabes pedem cuspe e guerra a boleiros
TATIANA CUNHA
DA REPORTAGEM LOCAL
Imagine uma partida de futebol
em que não existam linhas para
delimitar o campo. Em que os
gols não possuam travessão. Elimine a presença do juiz e suponha que os jogadores não possam
usar camisetas ou shorts. Mais:
que as palavras gol, falta, pênalti,
escanteio e lateral não sejam utilizadas. Imagine ainda que quem
marcar um gol deva receber em
troca uma cusparada na cara.
Estas são algumas das regras
impostas, na Arábia Saudita, a
muçulmanos que queiram jogar
futebol por uma fatwa (decreto
religioso que pode ser emitido por
qualquer um que seja proficiente
e tenha conhecimento legal).
De acordo com o documento,
postado em um site para discussões em 2003 e publicado na íntegra pelo diário saudita "Al-Watan", em 25 de agosto deste ano, a
única serventia do esporte deve
ser preparar o corpo dos atletas
para o "jihad", a guerra santa.
Influenciados pela fatwa, pelo
menos três atletas do Al-Rashid
resolveram deixar a Arábia Saudita rumo ao Iraque para se juntar à
rede terrorista Al Qaeda, segundo
seus companheiros de time.
Ainda de acordo com eles, Tamer Al-Thamali e Dayf Allah Al-Harithi completaram missões
suicidas. Majid Al-Sawat está preso em Mosul, no norte do Iraque.
Segundo seu pai, Al-Sawat ficou
cinco meses com um grupo terrorista, mas se recusou a participar
de uma missão. Um dos líderes do
bando, então, lhe deu duas opções: fazer uma operação suicida
ou explodir grupos de xiitas.
Após mais uma recusa, o jogador foi colocado em um carro pelo grupo, que dizia que o levaria
de volta para casa. Em vez disso,
Al-Sawat foi deixado só em um
posto policial iraquiano. Quando
o veículo foi revistado, descobriu-se que estava cheio de explosivos.
As bombas só não haviam sido
detonadas por uma falha.
Jafar Attas, capitão do Al-Rashid, afirmou ao "Al-Watan" que
os três atletas tinham reuniões todas as quartas e as quintas-feiras e
que, de fato, foram influenciados
a se juntar aos terroristas pela fatwa. Há relatos ainda de que outros seis atletas também teriam sido convencidos a deixar a equipe.
Assim que souberam do caso,
autoridades sauditas repudiaram
a emissão do decreto religioso.
"Vamos processar os envolvidos na publicação desta fatwa em
uma corte da sharia [lei islâmica
baseada no Alcorão] pelo crime
que eles cometeram", disse o xeque Abd Al-Aziz Ibn Abdallah
Aal-Sheik, mufti (autoridade religiosa) da Arábia Saudita, que afirmou ainda que a polícia religiosa
já havia sido destacada especialmente para encontrar os responsáveis. "Isto é um grande perigo.
Estão tentando influenciar a nossa sociedade com este veneno."
Uma das maiores preocupações
é deixar claro que este decreto não
é reconhecido oficialmente. "Espero que os muçulmanos do
mundo não ajam de acordo com
qualquer fatwa até que se cheque
sua autenticidade e sua fonte e
que se verifique se foi emitida por
pessoas com qualificação. Assim,
ninguém que não seja expert nessa área vai emitir uma fatwa que
tire as pessoas de seu caminho."
De acordo com o Departamento de Justiça da Arábia Saudita,
não há mal nenhum em praticar
futebol desde que todas as proibições da sharia sejam respeitadas.
"O veto a palavras como falta,
pênalti e outras é um engano, já
que até o profeta Muhammad
usava palavras não-árabes no hadith [seus dizeres]", declarou o
xeque Abd Al-Mushin Al-Abikan,
consultor do departamento. "Até
mesmo Allah usou palavras não-árabes em seu livro [Alcorão].
Portanto não há nada de errado
em, ocasionalmente, usar uma
língua que não a árabe."
Al-Abikan ainda fez questão de
frisar que também não há nada de
errado em seguir as normas estabelecidas internacionalmente.
"O futebol virou um esporte
mundial e não pertence somente
aos "incrédulos". Acredito que as
condições que algumas pessoas
estabeleceram para distinguir
muçulmanos de "incrédulos" são
radicais e vêm de uma falta de conhecimento da sharia e da literatura religiosa", finalizou o xeque.
A emissão da fatwa gerou muita
polêmica na Arábia Saudita e o
debate já se estendeu a outros países muçulmanos. Um dos maiores temores é que decretos religiosos como este simplesmente sirvam para afastar jovens da religião e os exponha ao extremismo.
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