São Paulo, sábado, 31 de maio de 2008

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JOSÉ GERALDO COUTO

A volta dos que não foram

Como Marcos e Marcelinho, Edmundo hesita entre jogar a toalha e seguir fazendo o que ainda sabe fazer

AS GRANDES emoções da semana -vitórias dramáticas do Corinthians e do Sport na Copa do Brasil, empate heróico do Fluminense em Buenos Aires- eclipsaram um fato não menos notável.
Jogando pelo modesto Santo André, contra o modesto Avaí, no modesto estádio da Ressacada, em Florianópolis, o nada modesto Marcelinho Carioca marcou o gol de número 500 de sua instável carreira.
Não são os mil e tantos de Pelé, nem os contestados mil de Romário, mas 500 gols, para um jogador de meio-campo, são um feito e tanto.
Não vou discorrer aqui sobre o futebol de Marcelinho, do qual sou grande admirador, muito menos sobre sua controvertida figura, mas apenas lembrar que, alguns meses atrás, o jogador tinha pendurado as chuteiras e atuava como sofrível comentarista numa emissora de TV.
Como o pistoleiro que pega a arma enferrujada para uma última missão (ecos da coluna de ontem do Xico Sá), Marcelinho voltou aos campos esburacados da Série B por uma sobrevida, um punhado de dólares, uma pequena glória.
Aqui entra um flashback. No dia 4 de maio, o Palmeiras acaba de golear a Ponte Preta na final do Paulistão.
Ainda em campo, Marcos, em lágrimas, diz que meses antes já se dava por acabado. "Estava me preparando para jogar no showbol." Agora o goleirão já sonha em enfrentar o arqui-rival Corinthians na Libertadores do ano que vem.
Voltemos ao presente. Edmundo, após perder seu pênalti em mais uma decisão (a semifinal da Copa do Brasil, contra o Sport), raspa a cabeça e diz que não joga mais. O "capo" Eurico Miranda, no seu habitual estilo mandonista, proíbe o atleta de se aposentar. Edmundo agora vacila.
Outro flashback: em 2005, após um tempo parado e esquecido, Edmundo assina contrato com o mais que modesto Nova Iguaçu, da segunda divisão fluminense. Era, todos diziam, o final melancólico da carreira brilhante e conturbada.
Mas o anúncio da morte do Animal foi prematuro. Como autêntica fera ferida, ele voltou ainda mais feroz. Depois de uma excelente temporada num clube médio, o Figueirense, Edmundo brilhou de novo no Palmeiras e no Vasco, os times com os quais mais se identificou ao longo da sua trôpega errância.
Agora o craque vive momento de impasse: encerra a carreira jogando um último Brasileirão pelo time onde começou? Vai em busca de petrodólares num clube árabe? Ou simplesmente se aposenta, aos 37 anos, mas em plena forma física e técnica?
O que esses três jogadores tão diferentes (Marcelinho, Marcos e Edmundo) têm em comum, além do enorme talento, é a oscilação, tremendamente humana, entre o cansaço, a vontade de jogar a toalha, e o desejo de seguir em frente, de continuar fazendo o que vieram ao mundo para fazer, de deixar uma marca bonita na memória dos homens.
Esse momento de decisão ocorre certamente com a maioria dos indivíduos, em qualquer ramo de atividade. Mas entre os profissionais do futebol a dúvida íntima ganha contornos dramáticos, primeiro porque atinge o sujeito quando ele nem tem 40 anos, está "nel mezzo del camin di nostra vita". Segundo, porque todos os holofotes estão apontados para esses olhos úmidos que vacilam.


jgcouto@uol.com.br

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