São Paulo, sábado, 31 de julho de 2004

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MOTOR

O solista

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE

Sem querer, no último domingo, segui a receita Mansell de ver F-1 nestes dias: ligar a TV, acompanhar a largada, sair para fazer qualquer outra coisa e voltar para conferir a bandeirada.
Muitos diriam que funciona, já que o alemão largou na frente e na frente chegou, como em quase todas as corridas deste ano. Os puristas diriam que não, e eles têm razão, já que no mínimo perdi a espetacular corrida de Button, de 13º a segundo, segurando o capacete com a mão. Mas isso é detalhe. O Mundial-2004 é um passeio para Schumacher.
Muitos diriam que todo esse show de corridas cronometradas não tem a mínima graça e que a F-1 de outros tempos era muito mais divertida. Os puristas, uma vez mais, retrucariam, show é show, mesmo que seja solo.
Esse raciocínio é vital para tentar entender Schumacher. É um solista, suas melhores apresentações em todos esses anos prescindiram de adversários. Coadjuvantes, quando existiram, só atrapalharam. É ridículo imaginar, por exemplo, que algum dia precisou de Barrichello. O brasileiro, Ross Brawn, os mecânicos, todos eles trabalham para o primeiro piloto da Ferrari e da F-1 dar espetáculo.
Schumacher é a antítese do duelista, perfil que perseguimos em um piloto de ponta desde que vimos Senna correr contra Prost. Eles marcaram uma geração, mas também acabaram com a seguinte. Nunca mais um time conseguiu ou quis colocar seus dois pilotos para correr de verdade.
Senna x Prost foi o último momento de real combate na F-1. O que vemos desde então são esses poucos e brilhantes vôos solos, como Donington/93 e Spa/95, gotas em um deserto de desempenhos discrepantes, domínios e abismos.
Ocorreram só duas exceções, as duas da era Schumacher. Só que nas decisões de 94 e 97, o alemão tampouco duelou. Inferiorizado, se desesperou. No primeiro, a sorte lhe sorriu, talvez merecidamente, já que sua temporada foi muito melhor que a de Hill, um rival fabricado. No segundo, contra o mocinho Villeneuve, lhe traiu. Sua já contestada reputação desceu a um nível insuportável.
Schumacher jogou o carro em cima dos rivais nos dois casos como se estivesse em uma briga de trânsito. Não teve receio, não teve razão. Schumacher, aparentemente, não sabe duelar.
Sabe dominar um time, dar voltas de classificação em plena corrida e cumprir estratégias que outros nem tentariam. Faz o que ninguém faz e faz isso sozinho, pelo rádio, de olho no cronômetro e com dados da telemetria.
Schumacher é o ideal do esportista moderno, aquele que só vence, não perde e nem corre o risco de perder. É o piloto ideal para os homens de marketing. A F-1 está uma chatice não porque ele existe, mas porque os outros times imaginam poder fazer igual.
Falta humildade, criatividade e coragem à concorrência para elaborar outro plano, buscar outra alternativa. Poucos times fazem isso, e quem faz, como a BAR, ainda está longe da Ferrari.
Schumacher é um gênio, e isso virou uma desculpa para os rivais não reconhecerem suas falhas.

Pô, Pizzonia!
Antes do treino de Hockenheim, a última coluna parecia premonitória. Pizzonia fora o segundo na pré-classificação e entraria de novo na pista para tentar a pole. Após o treino e aquele incrível e pífio desempenho, pelo menos um trecho continuava válido. O que dizia que, em um campeonato tão restrito, não era possível desperdiçar as poucas balas à disposição. Pizzonia desperdiçou seu único tiro.

Perto do fim
Schumacher pode ser campeão em Spa, mas a lógica indica que o hepta só será celebrado em Monza. Se o Mundial deste ano já parece próximo do fim, o de 2005 não anima. Webber na Williams é a única boa notícia até aqui. A McLaren com Montoya e Raikkonen soa como bobagem. A BAR pode melhorar. A F-1 vai continuar de joelhos?

E-mail mariante@uol.com.br


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