São Paulo, sábado, 31 de julho de 2010

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JOSÉ GERALDO COUTO

O estranho ímpar


É nociva a pressa de torcedores e mídia em rotular Neymar de "bad boy" ou mascarado


NEYMAR VIVEU uma noite intensa quarta-feira na Vila Belmiro, na vitória de 2 a 0 do Santos sobre o Vitória. Primeiro, ele fez um gol belo e original. Reveja o lance: a bola não "bateu" simplesmente em Neymar; ele ajeitou o corpo e a golpeou com o peito. Coisa de quem sabe conjugar os centímetros e os segundos bem ali, na pequena área, onde o tempo se adensa e a circulação sanguínea se acelera.
Depois, quando poderia matar o jogo e se consagrar, fazendo seu segundo gol na noite, resolveu bater o pênalti com uma petulante e desdenhosa "cavadinha". O goleiro do Vitória defendeu, o jogo seguiu em 1 a 0 e parte da torcida passou a vaiar Neymar. Displicente, irresponsável, moleque foi o mínimo que torcedores e comentaristas disseram do rapaz, esquecendo instantaneamente o que ele fizera meia hora antes.
Pensei: o que esperavam? Deus do céu, ele tem 18 anos. Se não for moleque agora, quando será?
Já estou ouvindo os protestos: "Mas ele ganha uma fortuna de salário, é jogador de seleção brasileira, atua num clube de enorme torcida etc.". Pois é, por isso mesmo. Coloque-se por um minuto no lugar dele. Não dá uma vertigem?
Outros se lembrarão do mais ilustre dos meninos da Vila, Pelé, que chegou ao Santos com 16 anos incompletos.
Mas é covardia. Não só porque Pelé é incomparável, mas porque todo indivíduo é incomparável a outro indivíduo.
Além disso, há diferenças de contexto. Pelé, ao chegar à Vila, foi "enquadrado" por companheiros mais velhos de clube, como Zito e Pepe, que o tomaram sob sua guarda.
No Santos de hoje, quem enquadra Neymar? O capitão Robinho, que é tão moleque quanto ele, embora já não tenha a desculpa da idade?
Outra coisa: ao voltar da Copa do Mundo da Suécia, já reconhecido como um dos maiores craques do planeta, Pelé voltou para a pensão onde morava em Santos. Nem carro tinha ainda (a bem da verdade, nem tinha idade para dirigir). Quando andava pelas ruas, não era muita gente que o reconhecia. Neymar já é rico e célebre. Até ontem, não era ninguém. Tem 18 anos. Pense só. Não convém ser condescendente, mas um pouco de tolerância vai bem.
Não há por que ter pressa em julgar e rotular. Entre o carola que casa virgem e só fala em Jesus e o "bad boy" que bebe todas e espanca a amante (se não faz coisa pior) há uma gama infinita de comportamentos possíveis. Como escreveu Drummond, "ninguém é igual a ninguém; todo ser humano é um estranho ímpar".

jgcouto@uol.com.br


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