São Paulo, quinta-feira, 31 de agosto de 2006

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JOSÉ ROBERTO TORERO

A feia e feérica feira

Vende-se no mercado da bola todo tipo de jogador, não importa idade ou posição, e ninguém faz nada para coibir

HAVIA barracas dos dois lados, e os feirantes gritavam para chamar os fregueses. Todos usavam ternos. Nas barracas, em meio a amarelas mangas, verdes alfaces, pimentões vermelhos e berinjelas roxas, de vez quando se percebia cabeças de homens.
As cabeças sorriam e piscavam para os passantes, que falavam em línguas estranhas. Havia coreanos baixinhos, gordos franceses, bigodudos portugueses, sorridentes alemães, compenetrados ucranianos, espanhóis expansivos, árabes nababescos, exibidos americanos, irrequietos japoneses, russos silenciosos e curiosos turcos.
Eles passavam pelas barracas apertando frutas e cabeças, e os feirantes gritavam assim. "Olha o abacaxi! Quem vai querer?
Freguesa bonita não paga, mas também não leva. Vai um volante hoje?
Compre um e leve dois. Prefere um zagueiro? Do branco ou do negro?"
"Hoje tem abacate, tem rabanete e tem atacante. Atacante novinho, novinho! Sem barba, direto dos juvenis!" "Goiaba gostosa de Goiás! Quem comprar uma dúzia leva um goleiro.
Goleiro do bom, que agüenta frio e tem passaporte europeu. Quem vai querer?"
Só depois de algum tempo percebi onde estava. Aquilo era uma metáfora do tal mercado de jogadores. Passeando entre as barracas, comecei a pensar que aquele mercado devia ser diferente em outros tempos. Só deviam ser negociados grandes jogadores. Mas atualmente vende-se de tudo. Doni, pai de tantas decepções, encontrou lugar na Itália. Até o Geílson, que tantos infartos causou nos torcedores santistas, foi vendido. Até o Geílson!
No ano passado, os estrangeiros compraram coisas boas, como Robinho e Fred, mercadorias de primeira. Agora, com nossos estoques em baixa, eles vasculham, remexem, fazem a xepa. Deram sorte. Encontram um promissor Rafael Sobis, um Bolívar modesto, mas competente, e um esforçado Wendel.
Os compradores já não são o Real Madrid ou o Bayern de Munique. Qualquer Madureira do outro lado do oceano pode nos levar um bom jogador. Jônatas, por exemplo, deixou o grande Flamengo pelo reles Espanyol. E o Gênova, da segunda divisão italiana, está levando o lateral-direito Ângelo, do Paraná.
Também não há problema de idade. Marcelo, revelação do Fluminense, pode estar indo embora para a Rússia com seus 18 anos. E Edílson, com o dobro da idade, trocou o Vasco pelo Japão.
O pior é que não há time que consiga segurar seus jogadores. O Internacional, mesmo tendo um Mundial à frente, despediu-se de quatro atletas. O poderoso Cruzeiro perdeu Alecsandro para o Sporting. E até o organizado São Paulo viu Lugano partir para a Turquia e Amoroso largá-lo para ser reserva no Milan.
O Brasil perdeu o bonde da história do futebol. Em vez de termos o melhor campeonato do mundo, vemos os craques brasileiros dando entrevistas em outras línguas. O pior é que não há nada sendo feito para reverter esta situação. Não há leis sendo pensadas, os clubes não organizam movimento de reação, os torcedores assistem a tudo impassivelmente. E assim continua a feira. "Olha o jogador brasileiro! Quem vai querer? Tenho de tudo quanto é preço para tudo quanto é gosto!"

Tevez
Pode ser excesso de ceticismo, mas não acho que a saída de Tevez do Corinthians seja uma prova da capacidade de indignação dos argentinos ou algo assim. Creio que ele fugiu, como Robinho, para forçar sua venda para a Europa. Tevez posa de vítima ou herói conforme a versão, mas desconfio que a questão é somente dinheiro mesmo.


torero@uol.com.br

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