São Paulo, domingo, 31 de outubro de 2004

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FUTEBOL

Azar uma ova

RODRIGO BUENO
DA REPORTAGEM LOCAL

"A beleza do futebol não está imune a azares."
Foi assim que a Fifa respondeu à Folha sobre a morte de Serginho no duelo São Paulo x São Caetano pelo Campeonato Brasileiro.
Não tenho a menor dúvida de que o futebol é bonito, mesmo após mais essa tragédia. Mas azar? Está bem claro que não foi falta de sorte a causa do óbito.
A entidade máxima do futebol teve que rebolar no ano passado para explicar a morte de Foé em uma de suas competições -o atendimento com eletrochoque oferecido ao camaronês demorou o dobro do tempo do atendimento com desfibrilador a Serginho.
Mas, independentemente do tempo gasto na tentativa de ""ressuscitação" de atletas, já são tantas ""fatalidades" recentes no futebol que o esporte está ficando mais fatal que o alpinismo ou o automobilismo -há dez anos não morre um piloto na F-1.
Foé, Fehér e Serginho são casos que tiveram muita repercussão porque aconteceram em jogos de grande visibilidade. Mas, se atletas de times de ponta, submetidos a inúmeros testes e atuando em estádios de porte, têm o ""azar" de morrer em campo, qual será a ""sorte" dos milhões que não têm acesso a Incor ou Morumbi etc?
O futebol europeu, como era de esperar, já está alguns anos na frente no que se refere à descoberta de problemas cardíacos. Cardiologistas do Milan notaram no meio da década passada, por exemplo, uma tendência a problemas desse tipo em atletas africanos. Em 1996, ano em que a pesquisa foi revelada, Kanu surpreendeu o mundo ao quase encerrar uma vitoriosa carreira. A Inter descobriu que ele tinha sérios problemas na artéria aorta. Naquele ano, outros dois atletas nigerianos morreram em decorrência de problemas no coração.
O futebol italiano descobriu ainda outros atletas africanos com disfunções cardíacas -o nigeriano Onyabor Monye Precious foi rejeitado pela Reggiana por isso. O Milan chegou a vetar a contratação de um jogador nigeriano de 17 anos que sofria de arritmia.
Por trás dessa preocupação crescente com o coração, a mola mestra do futebol contemporâneo: dinheiro. Alguns clubes acreditam que os atletas são seus patrimônios e fazem exames minuciosos para não investir em jogador ""condenado" -o senegalês Fadiga foi descartado pela Inter por isso. Outros clubes assumem o risco de ter um jogador com problema cardíaco deixando o ""azar" de uma possível morte em suas mãos -Fadiga encontrou espaço no Bolton assim. A ""mercadoria com defeito" está em segundo plano nas duas ocasiões.
A Fifa, que não têm jogadores sob contrato, só trata de lamentar as sucessivas mortes em campo. Antes de impor normas para estádios, para gramados, para uniformes e para um monte de amenidades, poderia exigir de clubes e seleções atestado completo de saúde dos atletas e punir quem escalar um jogador sem condição.
Se ""lavou as mãos" no caso Foé, nem quer pôr um dedo perto de Serginho. O futebol dele não primava pela beleza, mas Serginho não estava imune ao descaso de quem o deixou jogar doente.

A sorte de Maradona
O ex-meia argentino, um dos que mais contribuíram para a beleza do futebol, completou ontem 44 anos de vida na clínica em Cuba onde está hospedado e onde tenta se recuperar de sua dependência química. Seu coração, quase tão dilatado quanto o de Serginho nos últimos meses, teve a sorte de suportar overdose, hipertensão e miocardiopatia. Dieguito festejou o aniversário com as filhas (Dalma e Giannina), os pais (Diego e ""Tota") e as irmãs (Ana e Rita).

O azar de Van Basten
O ex-atacante holandês, outro que contribuiu muito para a beleza do futebol, completa hoje 40 anos em seu país, onde treina a seleção. Seu tornozelo, vítima de várias cirurgias, teve o azar de ser tratado por pelo menos um médico que o lesionou mais que qualquer zagueiro.

E-mail rbueno@folhasp.com.br

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