São Paulo, domingo, 31 de outubro de 2004

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JUDÔ

Breno Viola, que tem síndrome de Down, conquista ouro em evento inglês e espera que medalha o ajude a namorar mais

Brasileiro brilha em torneio "para todos"

MÁRVIO DOS ANJOS
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Quando ganhou ouro no torneio Judo For All, disputado no fim de semana passado em Clacton (Inglaterra), Breno Viola, 23, esperou no pódio pelo Hino Nacional. Levou até um CD com a música, mas a organização não tinha onde tocar. Nem precisou.
"Peguei a bandeira e cantei o hino sozinho", conta ele, sorriso no rosto. O técnico, Leonardo Mataruna, que também treina a seleção paraolímpica, acrescenta, emocionado: "Ele olhou para mim me mandando cantar junto, e eu fui".
Tinha de ser completo. Portador de síndrome de Down, Breno encontrou nas cercanias de Londres o único torneio internacional aberto a atletas como ele.
O Judo For All, que só é reconhecido pela federação inglesa, abriga todos os tipos de deficiências físicas e mentais, além de crianças sem deficiência. Os organizadores reconhecem Breno como um dos seis faixas-pretas no mundo com essa condição -e o único nas Américas. Desses, apenas ele competiu em Clacton.
Na Paraolimpíada, por não haver categorias que separem os atletas em condições de igualdade de disputa, as raras modalidades para deficientes mentais não contaram para o quadro de medalhas de Atenas. Nos Global Games-03, criados para suprir essa ausência de disputa, o judô não figura.
"Desde 2002 fizemos uma pesquisa atrás de torneios em que ele pudesse lutar", diz Ney Wilson Pereira da Silva, presidente da federação do Rio e diretor técnico da CBJ (Confederação Brasileira de Judô). Professor de Breno desde os seis anos, ele comanda o treino do pupilo no Flamengo, quatro dias por semana.
"Meu treino é bastante puxado. Além disso, faço musculação todos os dias, voltada para o judô", diz Breno, que tem consciência de sua condição e das necessidades dos portadores da síndrome.
Mataruna conta que, após a entrega das medalhas, Breno fez questão de chamar o segundo e o terceiro colocados para o topo do pódio. "Fiz isso para aumentar a auto-estima deles", afirma o judoca, a quem a qualidade claramente não falta. Com 1,55 m e 59 kg, o peso ligeiro diz que, mesmo baixinho, prefere mulheres grandes.
"Gosto de mulher tamanho GG, meu negócio é fartura. Lá na Inglaterra eu beijei na boca sem falar inglês, só no "I love you". Pode botar aí no jornal", diz ele.
Mataruna entrega o lado "garanhão" de Breno. "Ficou com uma judoca escocesa chamada Suzie e se apaixonou pela técnica do País de Gales", declara o técnico.
Enquanto conversava com a Folha numa academia na Tijuca, onde malha, fazia o estilo galanteador. Com um olhar pidão, abraçava as mulheres que passavam e chamava a assessora de imprensa da federação do Rio de "anjo".
Também no judô Breno mostra muita desenvoltura. Em treinos, conta Wilson, não se furtava de encarar medalhões do Brasil, como Flávio Canto, medalhista de bronze nos Jogos de Atenas.
"Quero disputar a seletiva para o Pan de 2007. Se perder, não tem problema. E não tem que dar moleza para mim não", avisa Breno.
"O treinamento dele é igual ao de um atleta de alto nível", diz o técnico Mataruna, o que é confirmado por Ney Wilson. "Em 2002, ele conseguiu a faixa preta como qualquer um faria. Ele é a figura mais marcante de superação para os meus atletas."

Apoio precoce
A conquista de Breno começa no apoio precoce da família. A irmã Kamille, 25, conta que a mãe, Suely, teve até problemas no joelho de tanta dedicação às repetições de exercícios com o bebê.
"Ele começou a andar mais ou menos na idade de qualquer criança, quando o normal seria demorar mais", diz ela.
Estimulado, Breno testou natação, jiu-jitsu e até vela, mas preferiu seguir no judô, no qual a família tem tradição de prática a partir do pai, Roberto. O esforço familiar sedimentou o caminho para Clacton, quando obteve do prefeito do Rio, Cesar Maia (PFL), um patrocínio para ir à Inglaterra.
No dia 22, foi feito um treinamento de campo para separar os atletas por capacidade motora. No dia seguinte, Breno conquistou a medalha, com três vitórias.
Mas chegou a ficar ansioso antes dessas lutas? Breno conta: "Eu fazia ioga antes. Repetia para mim mesmo "eu vou ganhar, eu vou ganhar, porque se eu ganhar vão rolar muitas coisas'".
A reportagem pergunta o que seriam. Breno responde sorrateiramente no ouvido: "Mulher".

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