São Paulo, quarta-feira, 31 de outubro de 2007

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Pergunta sobre violência irrita Ricardo Teixeira

Estafe da CBF insinua conspiração canadense contra o Brasil na indagação, que gera defesa do presidente da Fifa

Dirigente se esquiva e cita matança em escola dos EUA e "assassinato de inocentes em países supostamente seguros", alusão à Inglaterra

DO ENVIADO A ZURIQUE

O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, irritou-se com uma pergunta da agência Associated Press sobre a segurança no Brasil, país apontado como "perigoso" devido ao elevado número de mortes, e acabou por desviar a resposta para problemas em outros países, chegando a apontar a violência como "um mal da humanidade".
Antes de responder, Teixeira, agitado, quis saber a que meio de comunicação pertencia a jornalista. Não satisfeito, insistiu em saber a nacionalidade dela (Erica Bouman é canadense), o que é inusitado em entrevistas coletivas internacionais.
O usual é o jornalista dizer seu nome e o veículo em que trabalha. A nacionalidade é irrelevante, em particular em uma entidade, a Fifa, em que estão representados 208 países, mais que na ONU.
Mas, para Teixeira, a nacionalidade era relevante porque sua resposta enveredou pelos problemas de violência nos EUA ("vejo nos EUA garotos atirando em escolas"), no Reino Unido ("há países supostamente muito seguros onde a polícia assassina inocentes", óbvia referência ao caso do brasileiro Jean Charles de Menezes, morto no metrô londrino), até chegar ao próprio Canadá.
Neste, segundo Teixeira, "tivemos recentemente um caso de delegação que foi agredida pela polícia canadense". Não deu detalhes, mas, segundo o técnico Dunga, teriam sido jogadores da seleção sub-20.
Aqui entra um clássico: a teoria da conspiração, como deixariam claro depois Dunga e outros membros da delegação da CBF. Insinuam que a pergunta foi dirigida, porque o Canadá estaria interessado em assumir a Copa de 2014 caso o Brasil não consiga cumprir todas as exigências feitas pela Fifa. Como cabe às Américas organizar o torneio de 2014, e não há candidato latino-americano, fica a hipótese canadense.
Ao falar com os jornalistas após a cerimônia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comprou a tese conspiratória, mas com outra fisionomia.
"Tem gente que acha que, nos países emergentes, não pode acontecer nada. As críticas que fazem ao Brasil, fizeram à África do Sul, à Argentina, ao México, porque tem uma parte das pessoas que acha que as coisas só podem ser feitas nos EUA e na Europa."
O presidente não se lembrou de que as críticas feitas à Argentina, quando organizou a Copa de 1978, se deveram não à violência comum, mas à brutal repressão promovida pela ditadura do período 1976/1983.
Ricardo Teixeira, por sua vez, esqueceu-se de que o Brasil ocupa hoje o quarto lugar no ranking dos 84 países com maior número de homicídios, conforme dados da Organização Mundial de Saúde.
Em 2004, base de dados mais recente para comparações internacionais, a taxa de homicídios no Brasil foi de 27 por 100 mil habitantes. Nos EUA, são 5, na Argentina, 6, e na Europa Ocidental, 3 (sempre em um universo de 100 mil).
Até o presidente da Fifa reagiu, ao tomar a palavra após a resposta de Teixeira, para reclamar "respeito à casa do futebol". A jornalista da AP é que não se abalou: "Foi divertido. Ao menos provocou resposta".
Provocou também aplausos da claque brasileira presente ao auditório da Fifa, governadores e diplomatas incluídos, o que é igualmente inusitado. Entrevistas coletivas são feitas, em geral, de perguntas e respostas, sem vaias ou aplausos.
O governador do Rio, Sérgio Cabral, foi o menos conspiratório. Lembrou que o Rio de Janeiro recebeu em 1992 mais de cem chefes de Estado, para a Eco-92, e acaba de organizar o Pan, sem incidentes em ambos.
Para ele, é até mais complicado organizar os Jogos, porque "são milhares de atletas concentrados em uma única cidade", ao passo que, na Copa, serão jogadores de 32 países "espalhados por várias cidades".
O governador de São Paulo, José Serra, por sua vez, lembrou a queda nos índices de homicídios registrada em seu Estado, para afirmar: "Não vejo nenhum problema em termos de segurança [para a Copa de 2014]", até porque "providências especiais" são tomadas nessas ocasiões, como aconteceu no Rio, durante o Pan.
Para José Roberto Arruda (DF), seria um erro desconhecer os problemas, e a segurança é um deles. (CLÓVIS ROSSI)


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