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Pergunta sobre violência irrita Ricardo Teixeira
Estafe da CBF insinua conspiração canadense contra o Brasil na indagação, que gera defesa do presidente da Fifa
Dirigente se esquiva e cita matança em escola dos EUA
e "assassinato de inocentes em países supostamente seguros", alusão à Inglaterra
DO ENVIADO A ZURIQUE
O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, irritou-se com
uma pergunta da agência Associated Press sobre a segurança
no Brasil, país apontado como
"perigoso" devido ao elevado
número de mortes, e acabou
por desviar a resposta para problemas em outros países, chegando a apontar a violência como "um mal da humanidade".
Antes de responder, Teixeira,
agitado, quis saber a que meio
de comunicação pertencia a
jornalista. Não satisfeito, insistiu em saber a nacionalidade
dela (Erica Bouman é canadense), o que é inusitado em entrevistas coletivas internacionais.
O usual é o jornalista dizer
seu nome e o veículo em que
trabalha. A nacionalidade é irrelevante, em particular em
uma entidade, a Fifa, em que
estão representados 208 países, mais que na ONU.
Mas, para Teixeira, a nacionalidade era relevante porque
sua resposta enveredou pelos
problemas de violência nos
EUA ("vejo nos EUA garotos
atirando em escolas"), no Reino Unido ("há países supostamente muito seguros onde a
polícia assassina inocentes",
óbvia referência ao caso do brasileiro Jean Charles de Menezes, morto no metrô londrino),
até chegar ao próprio Canadá.
Neste, segundo Teixeira, "tivemos recentemente um caso
de delegação que foi agredida
pela polícia canadense". Não
deu detalhes, mas, segundo o
técnico Dunga, teriam sido jogadores da seleção sub-20.
Aqui entra um clássico: a teoria da conspiração, como deixariam claro depois Dunga e outros membros da delegação da
CBF. Insinuam que a pergunta
foi dirigida, porque o Canadá
estaria interessado em assumir
a Copa de 2014 caso o Brasil
não consiga cumprir todas as
exigências feitas pela Fifa. Como cabe às Américas organizar
o torneio de 2014, e não há candidato latino-americano, fica a
hipótese canadense.
Ao falar com os jornalistas
após a cerimônia, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva comprou a tese conspiratória, mas
com outra fisionomia.
"Tem gente que acha que,
nos países emergentes, não pode acontecer nada. As críticas
que fazem ao Brasil, fizeram à
África do Sul, à Argentina, ao
México, porque tem uma parte
das pessoas que acha que as coisas só podem ser feitas nos
EUA e na Europa."
O presidente não se lembrou
de que as críticas feitas à Argentina, quando organizou a
Copa de 1978, se deveram não à
violência comum, mas à brutal
repressão promovida pela ditadura do período 1976/1983.
Ricardo Teixeira, por sua vez,
esqueceu-se de que o Brasil
ocupa hoje o quarto lugar no
ranking dos 84 países com
maior número de homicídios,
conforme dados da Organização Mundial de Saúde.
Em 2004, base de dados mais
recente para comparações internacionais, a taxa de homicídios no Brasil foi de 27 por 100
mil habitantes. Nos EUA, são 5,
na Argentina, 6, e na Europa
Ocidental, 3 (sempre em um
universo de 100 mil).
Até o presidente da Fifa reagiu, ao tomar a palavra após a
resposta de Teixeira, para reclamar "respeito à casa do futebol". A jornalista da AP é que
não se abalou: "Foi divertido.
Ao menos provocou resposta".
Provocou também aplausos
da claque brasileira presente ao
auditório da Fifa, governadores
e diplomatas incluídos, o que é
igualmente inusitado. Entrevistas coletivas são feitas, em
geral, de perguntas e respostas,
sem vaias ou aplausos.
O governador do Rio, Sérgio
Cabral, foi o menos conspiratório. Lembrou que o Rio de Janeiro recebeu em 1992 mais de
cem chefes de Estado, para a
Eco-92, e acaba de organizar o
Pan, sem incidentes em ambos.
Para ele, é até mais complicado organizar os Jogos, porque
"são milhares de atletas concentrados em uma única cidade", ao passo que, na Copa, serão jogadores de 32 países "espalhados por várias cidades".
O governador de São Paulo,
José Serra, por sua vez, lembrou a queda nos índices de homicídios registrada em seu Estado, para afirmar: "Não vejo
nenhum problema em termos
de segurança [para a Copa de
2014]", até porque "providências especiais" são tomadas
nessas ocasiões, como aconteceu no Rio, durante o Pan.
Para José Roberto Arruda
(DF), seria um erro desconhecer os problemas, e a segurança
é um deles.
(CLÓVIS ROSSI)
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