São Paulo, segunda, 1 de fevereiro de 1999

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free way
Admirável Mundo Novo

GUSTAVO IOSCHPE
especial para a Folha

Das muitas diferenças entre uma boa universidade americana e uma brasileira (já cursei as duas), talvez a mais gritante seja o uso da tecnologia. Computadores são hoje ferramenta tão corriqueira quanto livros e cadernos, e quem não souber utilizá-los, especialmente a Internet, vai comer poeira.
O negócio já começa diferente: para a matrícula, nada de ir assinar formulário ou entrar em fila. Um site da faculdade apresenta as aulas disponíveis e seus horários, você entra com seu número de identificação, o código da aula desejada e se encerra a fatura.
Chegando à aula, a tecnologia também come solta. Em primeiro lugar, os professores têm uma folha com o nome de todos os alunos, mais seus dados biográficos (origem, escola, semestre etc.) e, atenção para o requinte, uma foto do indivíduo. (Foto obtida por meio de uma câmera digital que tira o retrato de todo mundo no começo de cada ano para a carteirinha da universidade e guarda a imagem num banco de dados. A carteirinha, por sinal, contém um chip, que permite ao usuário depositar dinheiro virtual e usá-lo nas múltiplas máquinas de bebida, comida, xerox etc. espalhadas pelo campus.)
Ainda na sala de aula, o professor tem uma lista com os e-mails dos alunos e frequentemente os usa para se comunicar com a turma, mandando sugestões de leitura, avisando sobre exames, recomendando um website com informações pertinentes à aula.
Grande parte dos professores faz um site da aula, com todas as informações sobre o curso, a lista de leituras para cada dia, os deveres de casa e, muitas vezes, também slides com suas aulas, substituindo assim o quadro-negro. Os mais vaidosos também aproveitam para colocar sua foto ou, dependendo da feiúra, seu currículo e "papers" publicados.
Os mais entusiastas do mundo cibernético usam a rede para que os alunos entreguem os trabalhos, dispensando assim as pilhas de papel. Outro, tarado, mandava planilhas eletrônicas a serem resolvidas, que continham, escondidas, macros que gravavam de quando a quando o trabalho havia sido feito e qual parte havia sido feita primeiro, assim impossibilitando o aluno de copiar o trabalho de um colega.
O uso da informática, claro, não se restringe a professores, virou parte fundamental também da vida dos alunos. Usa-se a rede para trocar informações com colegas; para comprar livros para a aula por meio de serviços on line, assim driblando a livraria careira da faculdade; e principalmente para fazer pesquisa. Poucos trabalhos saem sem a ajuda da Internet, já que a quantidade de informação é absolutamente espantosa.
Nem tudo, claro, é uma mar de rosas. O mundo informatizado implica um mundo impessoal, distante, pra que ir falar com o professor se você pode mandar um e-mail? Perde-se assim grande parte da profundidade do ensino, mas, como pouca gente está aqui pra aprender, e sim pra tirar notas boas que leve a bons empregos, tudo bem.
O problema maior é ainda dos contraventores da Net, que, muito mais escolados que os velhos professores, tiram vantagem. Um colega meu simplesmente copiava textos da Net para seus trabalhos e depois ia a um desses sites que vendem livros e colocava na sua bibliografia todos os títulos disponíveis referentes a seu trabalho. Sempre tirava notas altas e se formou sem ser pego. Se um puritano desses fazia isso, só fica espaço pra pensar a quantidade de malandragem a ser criada quando o "cyberspace" definitivamente invadir as terras tupiniquins.


Gustavo Ioschpe, 21, é escritor e estuda administração na Wharton School e ciência política na University of Pennsylvania, EUA, e-mail: desembucha@cyberdude.com



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