São Paulo, segunda-feira, 02 de fevereiro de 2004

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Música on-line paga quer ganhar corações e mentes

O império contra-ataca

France Presse
Homem empilha CDs e DVDs falsificados antes de eles serem destruídos na China


GUILHERME WERNECK
DA REPORTAGEM LOCAL

Primeiro foi o MP3. Depois, o Napster e as redes de troca de arquivos P2P (ponto a ponto), como o KaZaA e o SoulSeek. Agora, ao desprender-se dos computadores, a música digital passa por uma nova revolução.
A popularização dos tocadores de MP3 e de aparelhos portáteis que armazenam e tocam música digital em diferentes formatos -como o iPod e o Dell Digital Jukebox (só para citar os líderes do mercado norte-americano)- e a experiência lucrativa de serviços pagos de download de música pela internet nos Estados Unidos começam a apertar a corda no pescoço do bom e velho CD.
Uma diferença dessa revolução é que desta vez a indústria não foi pega de calças curtas por garotos como Shawn Fanning, que criou o Napster aos 19 anos.
Na realidade, o comércio digital de canções ganha força com toda a pressão que a indústria de discos vem fazendo ao processar pessoas comuns que trocam música pela internet nos EUA.
No 38º Midem-a maior feira da indústria fonográfica-, que aconteceu na semana passada em Cannes (França), a música digital roubou todas as atenções e não foi vista como o bicho-papão que alimentava a pirataria e se alimentava da queda de vendas de CDs no mundo todo.
Segundo a diretora do evento, Dominique Leguern, a indústria caminha para uma "desmaterialização do suporte" [leia-se, o fim do CD], uma tendência apontada pelos Estados Unidos e que deve desembarcar rapidamente na Europa.
Leguern não subestima o poder da troca livre de MP3, mas vê na experiência norte-americana do iPod (que usa músicas do iTunes num formato que ainda não permite cópias sem controle) uma solução eficaz de combate à pirataria. "Toda uma geração tem consumido música sem pagar por ela. Agora, temos de mudar essa tendência. Não podemos tolerar que músicos não obtenham nada por seu trabalho", disse.
No mundo digital, o Midem tocou em duas teclas: a distribuição de canções via telefones celulares, popular na Ásia, mas ainda fraca no resto do mundo, e o boom dos serviços pagos de troca de música.
O iTunes, que saiu na frente dos concorrentes, tornou-se o espelho da virada. Desde abril de 2003, o serviço da Apple que disponibiliza mais de 500 mil músicas vendeu 19,2 milhões de canções, a um preço de US$ 0,99 cada uma, apenas nos Estados Unidos. Nos últimos anos, eram vendidos uma média de 12 milhões de "singles" (compactos) no país.
Esse mercado cresceu ainda mais nos EUA com a volta do Napster (como um serviço pago), em outubro do ano passado, e com a entrada no jogo de uma grande rede de varejo, a Wal-Mart.
No Midem, o executivo do Napster Chis Gorog disse que, "ao gravar um CD ou ao usar um aparelho de áudio digital, a música começa a chegar à sala de estar", mas afirmou que espera o "Santo Graal que levará [os ouvintes] a conectar seus computadores ao som de casa".
Gorog anunciou que outra grande mudança no mercado deve ocorrer em agosto deste ano, quando a Microsoft introduzir um serviço de música que permitirá aos consumidores pagar uma assinatura para baixar músicas, como alternativa ao modelo de comprar cada canção, adotado hoje pelo iTunes e pelo Napster. Esse tipo de serviço, contudo, não é novo. Desde 2000, a comunidade Vitaminic já disponibilizava música on-line por assinatura.
Durante o Midem foi lançado no Reino Unido um serviço de venda de músicas similar ao iTunes, o MyCokeMusic, criado pela Coca-Cola com tecnologia da empresa OD2, que tem o ex-Genesis Peter Gabriel como um dos sócios. Além de ser pioneiro na Europa, o programa é um marco por se tratar da entrada de uma grande marca numa briga que se restringia à indústria fonográfica.
Mas a ação da Coca não é tão pioneira assim. Nos EUA, a Pepsi fez um acordo com o iTunes para dar a seus consumidores 100 milhões de downloads gratuitos. Com isso, as empresas querem ganhar um público que vai dos 13 aos 23 anos. Ou seja, você, que, além de estar na faixa etária que mais consome música, também é chegado num refrigerante.
A idéia é ganhar "corações e mentes" dos consumidores. Expressão usada nos discursos anticomunistas que pregavam o mesmo tipo de sedução racional/emocional durante a Guerra Fria.
Mas quem usa corações e mentes na produção de música vê também uma revolução mais profunda, que pode levar à lona a combalida indústria de discos.
No Midem, Peter Gabriel e o produtor Brian Eno lançaram a Mudda, uma associação de artistas que gerenciariam as suas músicas digitalmente sem usar gravadoras nem selos. "Nós disponibilizaremos o processo de criação, não um produto. Dessa forma você pode tornar a música acessível no formato que escolher, ao preço que decidir", disse Gabriel. "O CD nos forçou a fazer música de uma determinada maneira. Não podíamos lançar peças de quatro minutos nem uma série de 151 minutos porque não fazia sentido economicamente. On-line você modifica isso. É hora de o artista dizer o que quer", afirmou Eno.
Só o tempo dirá se serão as grandes indústrias ou os grandes artistas que prosperarão no futuro binário. Mas é inegável que a música on-line estará lá.


Com agências internacionais


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